SUZANE AGORA ACUSA O PAI DE ASSÉDIO SEXUAL

Recebi e repasso.

A FALTA QUE FAZ UM SOBRAL PINTO

Suzane Von Richthofen tentou mais um recurso para sair da prisão, agora acusando o pai de assédio sexual; O Tribunal sabiamente negou.

Preferi poupar o pessoal da coluna da leitura de meia dúzia de comentários, todos extraordinariamente torpes, sobre o texto que tratou do caso Suzane Von Richthofen. O pai morto a pauladas a mando da filha é acusado de assediá-la sexualmente, obrigá-la a depositar dinheiro em contas ilegais na Suíça, transformar o local de trabalho num balcão de delinquências, daí para baixo. O que os advogados de defesa de Suzane murmuram, os comentaristas de aluguel berram. Uns e outros estão interessados não na verdade, mas no dinheiro da herdeira homicida.

Depois de registrar que a lei que vai tirar Suzane da cadeia vale para todos, e antes de massacrar a memória do engenheiro executado junto com a mulher, uma remetente pergunta:

” O que você propõe, meu querido?”.

É uma jovem advogada, informam o dialeto data venia e as expressões que usa. (Entre 100 doutoras recém-formadas, 99 chamam desconhecidos de “meu querido”).

Proponho que se mire no exemplo de juristas que sempre combateram leis absurdas, minha querida. E tente saber alguma coisa sobre figuras como o doutor Heráclito Fontoura Sobral Pinto.

Sobral Pinto e o poeta Augusto Frederico Schmidt eram amigos de muitos anos quando conversaram por telefone em 16 de outubro de 1944. Schmidt, além de versos, sabia também fazer dinheiro como editor, intermediário de transações financeiras e ocupantes de cargos públicos. (Segundo a história oral, é ele o poeta federal que tira ouro do nariz no poema de Carlos Drummond de Andrade).

Naquele outubro, quem ligou foi o empresário Schmidt, para pedir ao advogado que reservasse todo o dia 20 a um só compromisso: examinar a vasta documentação que lhe permitiria representá-lo numa causa de natureza trabalhista.

Sobral Pinto informou que, antes de aceitar a proposta, teria de verificar se o candidato a cliente tinha razão. Advogado não é juiz, replicou Schmidt. Ouviu outra vez que o convite só seria aceito depois do exame eliminatório. Como tudo teria de ser feito até o dia 21, Sobral Pinto sugeriu que Schmidt contratasse outro advogado.

A conversa não deve ter terminado bem, atesta a carta remetida pelo jurista na manhã seguinte. Roberto Sobral Pinto Ribeiro, neto da figura admirável, enviou cópia da carta ao colunista. É uma luminosa aula de Direito. É uma lição de vida irretocável.

”O primeiro e mais fundamental dever do advogado é ser o juiz inicial da casa que lhe levam para patrocinar”, ensina certa altura. “Incumbe-lhe, antes de tudo, examinar minuciosamente a hipótese para ver se ela é realmente defensável em face dos preceitos da justiça. Só depois de que eu me convenço de que a justiça está com a parte que me procura é que me ponho à sua disposição”.

A regra vale também para velhos amigos? Claro que sim: ”Não seria a primeira vez que, procurado por um amigo para patrocinar a causa que me trazia, tive de dizer-lhe que a justiça não estava do seu lado, pelo que não me era lícito defender seus interesses”.

Outros trechos ensinam a proteger os códigos éticos da profissão de socos e pontapés hoje desferidos tão rotineiramente: ”A advocacia não se destina à defesa de quaisquer interesses. Não basta a amizade ou honorários de vulto para que um advogado se sinta justificado diante de sua consciência pelo patrocínio de uma causa.

(…) O advogado não é, assim, um técnico às ordens desta ou daquela pessoa que se dispõe a comparecer à Justiça. (…) O advogado é, necessariamente, uma consciência escrupulosa ao serviço tão só dos interesses da justiça, incumbindo-lhe, por isto, aconselhar àquelas partes que o procuram a que não discutam aqueles casos nos quais não lhes assiste nenhuma razão.

A aula termina com palavras que deveriam ser reproduzidas em bronze nos pórticos e auditórios das faculdades de Direito:

”É indispensável que os clientes procurem o advogado de suas preferências como um homem de bem a quem se vai pedir conselho. (…)

Orientada neste sentido, a advocacia é, nos países moralizados, um elemento de ordem e um dos mais eficientes instrumentos de realização do bem comum da sociedade’.’

Defensores de gente como Suzane Von Richthofen nunca souberam disso. Pelo que andam fazendo nestes tempos tristonhos, poucos advogados sabem.