Começando o Ano Novo - pé direito na porta da casa...

Começando o Ano Novo - pé direito na porta da casa...

Começando a Ano Novo, fazemos votos e promessas, muitas das quais sobre mudanças de comportamento, realização de uma aventura, conquista de algo mais - na plano material, intelectual ou afeitovo, de abandono de vícios, de mudanças na vida profissional - não raro, envolvendo menos trabalho e, mais lazer...

De certa forma, o que somos é exatamente o acervo de tudo o que construimos e nossa forma de nos relacionar com o mundo, no setor pessoal, do trabalho, da família que formamos...

A forma com que nos relacionamos pessoalmente com os outros diz bastante sobre nós e, em última análise, constrói uma inafastável imagem de nós junto aos membros das diversas comunidades das quais participamos diariamente, posto que são elas são praticamente distintas, havendo uma no mundo do trabaho, dos estudos, da família e, amigos (um grupo distinto, composto de membros de todas as outras comunidades, por vezes, ou que resultam de intereções fora do nosso mundo "normal" de relacionamento).

De vícios e virtudes sabemos todos nós. E deixar um vício e adquirir alguma virtude exigem, de certo modo, o mesmo consumo de esforço e dedicação, se diferenciando estas operações justamente no resultado. Grandes ou pequenos vícios estão presentes na vida de todo mundo. E, malgrado os efeitos deletérios, serve para nos lembrar de nossa humanidade, nossas fraquezas e, evidentemente, da necessidade de se mover, mudar e buscar, enfim, qualidades.

Como renunciar ao trabalho, se no trabalho se encontra parte de nossa realização? Somos educado para o mundo do trabalho, do mundo produtivo, da ocupação, não só como uma forma prática de virtude, mas também como uma forma de justificação perante aos outros e, claro, como forma de obter os meios de sobrevivencia.

O fato é que, em certo ponto da vida, nossa vida está intimamente vinculada ao trabalho. E, de certa maneira, nossa imagem, o retrato que fazem de nós, correspondendo especialmente à nossa imagem profissional.

E, em certa altura da vida, o mundo ao nosso redor não encontra significação ou não tem significação completa, se não trabalhamos, se não produzimos, se não nos sentimos como parte desse imenso organismo social que molda o mundo. Da mesma forma, o nosso valor pessoal, se vincula a oportunidade diária do labor, do trabalho, da imersão na comunidade laboral.

Como estudar menos, quando se tem a paixão pela descoberta constante, presente nos estudos? O simples prazer diletante da leitura seria bastante para tal aventura. Mas, os estudos multiplicam nossa visão, aumentam nossas possiblidades e eficiencia, nos dá a oportunidade da própria reinvenção...

E ajudar ao outro, de alguma forma, é ter a sublime emoção de reconhecer-se no outro. Como deixar de ajudar, de estabelecer colaboração com o outro e ver-se refletido nele?

Amar e ajudar ao outro, em quem nos reconhecemos?

Amar verbo transitivo direto, como dizia o poeta...

Amar - amar ao outro é bem difícil! Exige presença contante, solicita provas inesperadas, tem lá os requisitos próprios e algum protocolo.

Mas, apenas amando, vivendo a experiência amorosa completamente, temos noção de nossa capacidade de doação, renúncia, submissão e, sim, imcompletude e destino - somente encontramos a tal da felicidade ou nos descobrimos completamente, quando nos encontramos no outro.

Somente amar a vida parece exigir menos fórmulas. E o fazemos nas pequenas e grandes coisas, desde que nos levantamos - um amigo que liga, um e-mail que te comove, a paisagem confusa da rua, que enxergamos pela janela do carro parados no sinal vermelho e, sim, no trabalho, nos estudos, nas visitas que fazemos ou recebemos, naqueles minutos que roubamos no meio de tudo para responder a um recado, para ligar para alguém apenas para ouvir sua voz e escapar de rotinas difíceis, naquela longo abraço que recebemos, quando voltamos para casa.

Tantas paisagens, tantos lugares e, somente os olhos e a memória cansada para aninhá-las. E nem sempre é possível.

Será que nos lembramos com certeza os detalhes da paisagem da janela? Será que a sensação do toque dos pés na areia ficaram solidificados na mente? Será que o cheiro e o sabor de uma comida especial ainda pode ser alcançada nas lembranças? Será que a sensação do toque da mão dentre um olhar penetrante e manso, depois do extase nos braços de alguém ainda retorna completa? Ou, será que apenas teimamos em reter na memória sensações, imagens e recordações fugidias que já não são mais do que pálido sinal do que foi?

Mas em compensação, sem que notemos, aprendemos o ofício de construir e cultivar paisagens, em nós mesmos, nos recantos da memória.

Sem que saibamos exatamente que ofício exercemos em tal e contínua peleja - se jardineiros, escultores, fotógrafos ou arquivistas, vamos compondo um mosaico de imagens, de idéias, conceitos e recordações completas ou inacabadas, uma espécie de jardim ou parque multiacesso, cheio de canteiros, vielinhas e, lugares inesperados - parecido com um jardim japones, que sempre visitamos e, consultamos, na experiencia dos dias e do tempo. Conforme os dias, preferimos certos lugares. Conforme outros, nos endereçamos para outros. Em certas horas, gostariamos, francamente, de nos transformar em alguma peça do lugar e, não voltar mais.

Momentos de alegria inesperada, horas de compromissos e um relógio nos fustigando, momentos de supresa ou notícias arrebatadoras, ou tristes, situações em que preferimos a fuga em lugar da espada, vontades que mereciam ser atendidas ou não, o planejamento que exige correção ou plano que necessita de crítica - e estamos diante de uma outra paisagem, a tela dos afazeres diários, cuja pintura ligeira inicia toda manhã e se desfaz toda noite, quando temos consciencia que nada mais ou melhor pode ser feito.

Assim são os nossos dias e noites. E assim somos nós, dentro desse itinerário temporal.

Nós e nossas capacidades. Nós e nossas imcompletudes. Nós e nossas possiblidades. Nós e o campo de nossas ações e humanidades.

Nós e mais um elétrico ano pela frente.