E lá vem o novo
O ponteiro marca 23:53, sento-me cá a mesa, recolho folhas virgens e viçosas por sobre a gaveta, abraço a caneta, junto-a ao peito e aos dedos trago. Roço os dedos ao gelo, quedado ao copo de vinho velho a geladeira, normalmente não bebo, mas este sendo tão doce, precisava sorver para me permitir as palavras. Na janela, estrondos, fogos, canções. Um novo ano se aproxima, pobres, desapercebidos. Vestem-se de branco, calcinha amarela, cueca azul e alma cinza. Sim, Os que necessitam de esperança para viver, são os que em vida, não fazem nada para ter esperança. Ao longe, um casal discute, ela não gostou do riso, a outra, não gostou da aliança, e ele, hum...Ele não gostou da bebida. Sim, precisa menas lucidez para fingir nada desejar.
O ponteiro marca 23:57, levanto-me torno a cozinha, solto o copo a pia, e roço os dedos ao gelo, somente para dar-me paz as letras, dar-me descanso os tormentos, dar-me o gozo a amargura, já não suporto apertá-la em mim esperando que chegues ao êxtase, somente para o sono me conceder, me permitir, e sonhar... Gritos oiço á varanda, crianças brincam com a bola nova do amigo noel, pobre noel diria, alguém imagina onde estaria o barbudo agora? Correm, gritam, choram, afinal há somente uma bola, e aos cantos, são tantos os desejos. Torno a mesa, e debruço os cabelos aos braços, roço os dedos a nuca e esqueço.
O ponteiro marca 00:00, logo, pensam que o novo ano chegou para querer, para amar, para sonhar, para idealizar a vida em mais um ano. Vou até a janela, e num olhar magoado a fecho, puxo as cortinas e torno a mesa, o copo ficou a pia, o gelou perdeu-se ao esmo por entre os pingos, os prantos, os panos que nada enxugam, o doce vinho tornou-se amargo aos lábios e descanso parece se dar somente ao esquecimento. Longo e ininterrupto estorvo de fogos, de cores, de esquecimento. Respiro fundo e escrevo lentamente suscitando Drummond:
É em ti que o novo descansa desde sempre.