Verdadeiro?

Bom... Dia desses estava eu conversando com uma amiga, enquanto ela lia as previsões astrológicas para o seu signo no ano que virá. Como somos do mesmo signo, eu acabo perguntando para ela o que é que a sorte tem a nos dizer. E quase sempre acabamos dando risadas, visto o quão absurdas são as perspectivas.

Mas neste dia, em especial, uma das indicações me chamou a atenção. Segundo o dito horóscopo, no próximo ano, pessoas do meu signo viverão um verdadeiro amor.

Certo, previsão tremendamente comum para estas bobagens estelares. Tudo bem. Mas não é pela previsão em si que eu acabei me interessando.

Depois de receber a tal informação, acabei por flagrar-me pensando sobre o seguinte: o que é um amor verdadeiro?

Você saberia responder? Nós estamos acostumados a ouvir falar do tal. Em filmes, em músicas, em novelas. Todos citando o amor sem medidas, sem preconceitos. Inexplicável, ininteligível e imprevisível. Legal.

Mas o que é este? Como seria? O que se sente quando vivendo-o?

Dúvidas que estão inundando minha mente há dias.

Pode-se dizer que o amor pela família é um amor verdadeiro. Bom, isso explica uma parte da questão. Laço sanguíneo significa afeto.

Mas será que é realmente assim? Como é que tem gente que não gosta do pai, do irmão ou coisa do gênero?

Se pensarmos bem, o que nos faz amar a família é a convivência. É você ter de dividir a casa e a mesa com as mesmas pessoas todos os dias, durante décadas. Esse nível de envolvimento transcende qualquer barreira, fazendo a pessoa em questão tornar-se algo fixo e de suma importância em sua vida.

Se você pensar bem, é assim que nascem as amizades verdadeiras. Com uma longa convivência. Aqueles amigos dos tempos de escola, que te conhecem e a quem você vê todos os dias desde que ainda gostava de comer massinha de modelar.

Interessante, então o amor nasce com o tempo? Mas... Pode-se resumir o amor verdadeiro a isso? E a paixão? E o contato? E todo o resto, que nós bem sabemos fazer parte de um romance?

Em que lugar essas coisas se enquadram em se tratando de amor verdadeiro?

Talvez o amor nasça de uma paixão bem resolvida? Talvez nasça de uma amizade mais evoluída. O contato não precisa de tempo para acontecer. É o completo oposto do sentimento que nasce com a convivência. Em se tratando de amasso, se a química tiver de acontecer, ela já acontece na primeira tentativa.

Isso faz dela algo diferente do amor verdadeiro? Talvez não. Eu acho que faz parte. Mas o problema da paixão, dessa vontade de estar agarrado, é que ela adormece com o tempo. Isso é fato. Paixão sem amizade não dura. Na verdade, paixão não dura. O que resta, depois de tudo, é a amizade, a confiança. No fim das contas, o que mantém o casal unido é a confiança adquirida com a convivência.

Certo?

Bom, eu acreditava que sim.

Mas então, o amor verdadeiro se resumiria a amizade?

Quer dizer, o que teria de especial nesse sentimento? Ele é só um amontoado de tantos outros. Não é algo único.

Bem, isso é o que nós, leigos, imaginamos. Ou preferimos acreditar.

Mas pensem bem: como vocês me explicam um cara que, depois de vinte e cinco anos de casado, ainda pega uma flor na calçada e entrega de surpresa pra sua amada? Ou ainda quando outro rapaz na mesma situação vê sua esposa vestir uma roupa atraente pra sair e sente aquele ciúme bobo e aquele frio na barriga?E a mulher que corre feito uma condenada durante o dia só para poder preparar um jantar romântico para o marido? Isso é uma amizade mais liberal? Isso é uma paixão que durou demais? Isso é confiança extrema?

Olha, eu acho que não...

Sentir um frio na barriga quando se está namorando há dois meses e se vai buscar a moça na casa dos pais é normal. Mas e sentir esta mesma sensação depois de dez anos de casado? É algo mais, não?

Enfim, o que eu estou querendo dizer é que o amor verdadeiro é algo que, por mais que eu tente, não saberei explicar. Por mais que qualquer um discorra horas e horas sobre o assunto, sua opinião ainda vai parecer doida demais pra ser real.

Amor de verdade não se explica, suponho. Provavelmente não se entenda também.

É algo tão volúvel e, por que não dizer, "mítico", que nós não conseguimos acreditar na sua existência, mesmo quando tomados por este.

Quer dizer, quem pode dizer que viveu ou vive um amor verdadeiro? Amor verdadeiro dura pra sempre, é perfeito. Como saber se o seu amor atual será assim?

Não há, esta é a verdade.

E aí vem a grande contradição disso tudo: o amor verdadeiro é eterno, mesmo que momentâneo. Talvez naquele momento, você sinta que tudo mais é irrelevante. E pode ser que tudo mude no dia seguinte, mas no momento em que você acreditava ter um amor verdadeiro, ele era verdadeiro. Mesmo não sendo eterno e perfeito. Querem coisa mais contraditória do que isto?

Ter de ser eterno pra ser verdadeiro, mas podendo durar só um instante.

Contradição em forma de sentimento, eu diria... Como diz aquele poema de Camões, que todo mundo tá careca de saber: "Amor é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói e não se sente, é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer."

Enfim, é algo que você só vai entender se sentir, mas só vai saber que sentiu depois de ter perdido, e que só vai perder por tentar entender. A grande sacada, talvez seja o fato de que, amor não se fez para entender. A mente tenta colocar razão no que o coração segue sem precisar de motivo. Amor de verdade são todos os que temos, mesmo que não pareçam. E ainda assim, não é nenhum dos que tivemos, pois nenhum nos fez sentir como tal. Amor verdadeiro é o reflexo de Narciso no lago.

E vocês não consideram isso contradição? Rir do rapazinho que se jogou no lago e morreu afogado, mas dizer que morrer por amor é bonito. Vai entender, não?

Bem, provavelmente não...