O Comendador
Foi na década de setenta
Que cheguei em Alagoas
E se aqui eu fiquei
Não foi por motivo à toa
Dos lugares que passei
Nunca vi terra tão boa
Em alguns dos textos aqui publicados, tratando da minha trajetória profissional, tive a grata satisfação de dizer que a histórica cidade de Penedo, “berço da civilização alagoana”, serviu-me de porta de entrada para Alagoas. Havia naquela cidade um cidadão de família nobre, cujo nome era sempre precedido do título de Comendador e que, pela sua representatividade, era o convidado de honra para eventos de maior importância, quase sempre presidindo a solenidade. Dizíamos até que ele estava para a sociedade de Penedo, assim como Roberto Marinho para as Organizações Globo. Um homem respeitável, de retidão de caráter, um exemplo de honradez e dignidade. Ele sim, que merecia tamanha honraria, fazendo jus ao título de Comendador.
No início da década de oitenta, deixo aquela cidade e passo a percorrer outras cidades do interior alagoano, em razão da minha mudança de empresa, até chegar a Maceió, na década de noventa. Nesse trajeto, novos colegas, novos amigos, novas amizades. Um dos colegas, com seu jeito diplomático, carismático e de fino trato, com a sua peculiar generosidade, começou a chamar-me de “Comendador”. Reconhecendo a minha humilde esfera social, quilometricamente distante daquele cidadão de Penedo, sugeri-lhe mudar aquele tratamento, dizendo ser “muita honra para um pobre Marquês”.
Distanciamo-nos, por dever de ofício, escasseando os encontros, e eis que, ao aposentar-se, o colega veio também morar em Maceió. Novamente vem ele me chamando de Comendador. Costumo visitá-lo com certa frequencia, em razão de uma amizade que se consolidou ao longo do tempo. Morando ele num condomínio fechado, preciso identificar-me na portaria, que interfona solicitando a permissão da minha entrada. Vejo um largo sorriso do porteiro que me pergunta: “O senhor é mesmo comendador?”
Não tem jeito mesmo aquele colega, que insiste em assim me chamar em qualquer tempo e qualquer lugar. Tive de arranjar também um título para ele, baseado num livro de Jorge Amado – “O Capitão de Longo Curso”. E o motivo foi que certo dia ele estava todo de branco e com um boné da Marinha, parecendo um Almirante. E como sou mais modesto, também o rebaixei, dando-lhe um título menor. Quanto ao de Comendador atribuído a mim ainda desconheço a razão, salvo a sua generosidade.