MUDANÇA DE COSTUMES
Minha geração é sui-gêneris. Aqueles que hoje estão na faixa entre 50 e 70 anos, podem dizer que viram acontecer. Como dizia Vandré "quem sabe faz a hora, não espera acontecer".
Eu costumo dizer que me sinto vivendo duas vidas em uma só existência. Divido-a em ANTES e DEPOIS da revolução de costumes, que iniciou nos anos 60 e 70.
Minha adolescência transcorreu numa época em que as "moças de família" eram recatadas e esperavam sempre que o rapaz tomasse a iniciativa. Para dançar, para pegar na mão, para beijar, para de "declarar". O máximo que as gurias faziam era prender o olhar do rapaz através do "flerte". E como a gente flertava! Chegava a sair lágrima dos olhos. Mas era a forma de dar a entender ao pretendente que se estava afim. Era um sinal para ele se aproximar. Porque ai daqueles que tiravam uma menina para dançar, sem antes ela ter olhado para ele. No final da primeira música já eram descartados. Sim, porque havia isso também. Ou seja, não se podia dar "carão". Se a gente não estava afim, dançava uma música e agradecia. Pegar na mão, então, só depois de oficializar o namoro. Porque naquela época a gente "ficava", mas ficava namorando, noivando ou casando. O ficar era por muito tempo ou por toda a vida.
Meu Deus! Parece que estou falando na Pré-História! Meu Deus! Isso só existe, hoje, na memória da terceira idade! Meu Deus! Que salto deram os costumes!
Hoje se fica, se beija, se agarra sem nem ao menos saber o nome do (a) parceiro (a)! Naquela época as moças eram separadas em duas categorias: as "p'rá casar" e as "outras". Quem eram as "outras"? Aquelas que comiam a sobremesa antes do jantar. Coitadas! A punição era ficar para titia ou levar a faixa P (que não é Preta) para o resto da vida. Hoje todas as moças são para ficar, para casar, para separar. O mundo deu um salto olímpico em questão de duas ou três décadas. Naquela época, a mulher só podia, ou pelo menos devia, ter só um parceiro. Hoje, se os homens bobearem, a mulherada bate recordes e os deixam comendo poeira...
Vão me dizer que não são duas vidas numa só, para quem já passou dos 50 anos? Mudamos da noite para o dia.
Tem até uma mensagem na Internet, onde o neto do Antônio Fagundes pergunta quantos anos ele tem. Antes de dizer a idade, o avô diz que, na época dele, não havia TV, Internet, carros potentes, celular (com essa o Dante vibra!) e vai citando inúmeras coisas. Quando termina de enumerá-las, pergunta ao neto: "Então, que idade você acha que eu tenho?". E o neto responde: "Puxa, vovô, você deve ter uns 200 anos!".
P'rá ver, né? Não parece também a vocês, cinquentões, que estamos noutra vida? E a vocês, rapaziada de 20, 30 anos, isso não parece Pré-História?
Mas, se a modernidade proporcionou mais conforto, mais facilidades ao ser humano, por outro lado, penso que muita coisa boa se perdeu entre esses dois extremos. Perdeu-se a beleza da conquista, o conhecimento maior da outra pessoa, os diálogos em família, só para citar alguns. Fazer o que? A vida não pára e a nós, que vivemos duas vidas em uma, só nos resta nos adaptarmos a essa segunda vida. Mas, mantendo e, se possível, transmitindo aos nossos filhos e netos, os valores bonitos do respeito, da honestidade, da união, da solidariedade, do amor.
Parece difícil? Talvez até seja, porque a família tem concorrentes desleais fora de casa. Mas lembremos que toda sementinha, se jogada em terreno fértil, sempre germina. E essa sementinha está na nossa alma, pronta para ser entregue aos pequenos, para que a reguem e cuidem dela até crescer. Porque os valores quando se solidificam não se perdem mais. E, um dia, já adultos, agradecerão aos pais, avós, tios e professores por terem lhes indicado o caminho do bem.
Termino com um trecho de Rubem Alves, que poderiam ser as palavras de um pai a seu filho:
"Aqui se encontra o retrato deste mundo. Se você prestar bem atenção, verá que há mapas dos céus, mapas das terras, mapas do corpo, mapas da alma. Andei por estes cenários. Naveguei, pensei, aprendi. Aquilo que aprendi e que sei, está aqui. E estes mapas eu lhe dou, como minha herança. Com eles você poderá andar por estes cenários sem medo e sem sustos, pisando sempre a terra firme. Dou-lhe o meu saber".