Rua da Amargura
A vida resiste. Ela se arrasta por entre buzinas de carros e zunidos ensurdecedores de caminhões, que transpassam caminhos inglórios, desmerecedores.
Sobrevivem. Moradores de rua, que por debaixo de marquises e pontes e por calçadas qualquer se alojam a procura de abrigo, de um conforto inexistente, por uma esmola.
Estão na rua porquê? Na grande maioria das vezes por opção, pois com certeza encontrarão um barraco onde podem depositar seus pertences e desfrutar de um mísero teto.
E a cena se repete pelo país afora. As grandes cidades se desdobram de mendigos moradores de rua, que vagam em esquinas na calada da noite, comendo restos, dormindo no chão, usando drogas, humilhando-se e sendo humilhados, roubando, fazendo filhos, chorando. São miseráveis!
E são pessoas, todos com sentimentos, com dores, com apegos. Será que clamam por uma vida melhor? O que se passa pela cabeça de uma pessoa que não tem pudor, não tem intimidade? Porque eles comem, bebem, fazem sexo, necessidades fisiológicas aos olhos atentos de todos, sob um olhar de menosprezo, de preconceito, que enxerga mas nada vê.
E torna-se um ciclo vital, uma rede que transpassa gerações, de mãe pra filho, de dor pra dor, de dó.
E eu, que não durmo com barulho e luz acesa? As milhares de pessoas que atendo que precisam de medicamentos soníferos? E os que andam com dinheiro alheio em cuecas e bolsos secretos? O que faremos? O que fará o Brasil?
É triste pensar. Mas clamo para que possamos, num futuro próximo, transformar esses seres tão iguais a nós em pessoas merecedoras de uma vida digna e sem dor.
A vida não é injusta, as pessoas que a fazem parecer. O mundo somos nós.