A PALAVRA
A palavra
Como exprimir a ideia ou o conceito sem abrir a boca? Escrevendo, também desenhando ou mimicando. Mas, sempre é a palavra que se privilegia, enquanto encerra o que contém, a conceituação de alguma ideia ou de alguma coisa. É assim a linguagem humana. Às vezes, o termo é empregado numa maior extensão, diminuindo a sua compreensão. Por exemplo, em vez de referir-me ao leitor, chamando-o de vivente, deveria empregar um termo que o definisse com maior precisão, como, em ordem de crescente compreensão e decrescente extensão: animal, mamífero, bípede, humano, brasileiro, paraibano, pessoense, jaguaribense, Patrício, sim! aquele da Fava do Patrício, no Mercado de Cruz das Armas. Enfim, quanto mais se individualiza o elemento em relação ao seu conjunto e subconjuntos, diminui a extensão do termo para aumentar-lhe a compreensão.
Como as palavras abundam entre os tagarelas, eles falam à toa sem perceber o valor e os diferentes pesos dos seus conteúdos. Se fôssemos pesar cada palavra, umas pesariam muito mais do que outras, que valem apenas poucos gramas. A palavra “liberdade”, inquestionavelmente, pesaria mais do que “grade”; “existência” mais do que “verniz”; e “amor”, em relação a todas elas, pesaria toneladas. Isso sem o comparar com o desprezo que merecem seus antônimos.
Porém, no filme “Rapsódia em Agosto”, o genial diretor Akira Kurosawa ressalta o silêncio. Roda uma cena, onde os netos brecham, entre as frestas da casa de madeira, a avó octogenária, sentada de frente para a amiga visitante, ambas sobreviventes da bomba atômica, em Nagasaki. Com admiração, as crianças observam que tomam chá há horas, olhando-se, “sem dizer uma palavra”. A avó se explica: “Veio conversar comigo. Existem pessoas que ficam em silêncio quando falam”. Acrescento: especialmente quando juntas tenham experimentado grandes sofrimentos ou fortes emoções. Aqui se consagra Antoine de Saint Exupéry, quando a raposa ensina ao Pequeno Príncipe o que fazer para se cativar alguém: “- Que é preciso fazer?, perguntou ele. – É preciso ser paciente, respondeu a raposa. Tu te sentarás primeiro um pouco longe de mim, assim, na relva. Eu te olharei com o canto do olho, e tu não dirás nada. A linguagem é uma fonte de mal-entendidos. Mas, cada dia, sentar-te-ás mais perto...” O que também significa: entre duas pessoas que verdadeiramente se conhecem e, consequentemente, se compreendem, não se sente a necessidade de abrir a boca para falar; basta se olhar. Pela expressão de um olhar, diz-se mais do que pela palavra.