Andar a pé
A classificação, que divide os seres em viventes e não viventes, diferencia os primeiros destes últimos pelas propriedades de nascer, alimentar-se, digerir, crescer, reproduzir-se, morrer e sobretudo movimentar-se. É, portanto, o movimento uma das características principais daqueles que têm vida. Na verdade, jamais alguém viu uma pedra movimentar-se sozinha. Rola de ladeira abaixo ou é carregada pela correnteza, mas nunca se move por si mesma, de moto próprio. Se alguém procurar uma filosofia aos profissionais da educação física, encontrará esta: o movimento é inerente e necessário a todo ser que tem vida; “mover-se é viver”.
A ausência do movimento é um estado mórbido, daquele que está tendente ao falecimento, prestes a perder a vida. Esta talvez seja a maior razão de tanta gente, que não anda, obrigar-se a longas caminhadas a pé, tentando compensar o desuso dessa extremidade do corpo no seu quotidiano. Esse desuso está sempre atrelado ao uso excessivo do automóvel, que, como uma maca, leva o comodista até ao lugar onde possam passar os paralamas dianteiros do seu indispensável veículo, como se fosse sua cativa cadeira de roda. Enfim, não anda; sempre é carregado, como se o natural fosse ter duas rodas e não dois pés. O ser vivente cada vez mais sedentário, parado, inerte, torna-se, mais e mais, não vivente. Ele não se leva, geralmente é levado como a pedra.
Andar a pé é a melhor e mais adequada forma de gastar a energia que adquirimos quando nos alimentamos. Ou seja: queimamos as calorias que ingerimos para sermos capazes do movimento. Por isso, nutrição e movimento são propriedades comuns e indispensáveis aos seres viventes. Os outros animais, quando não se movimentam voando, nadando ou correndo, andam. Não existe modo mais natural de mantermos a forma saudável de vida. Viver é movimentar-se; o contrário é a morte.
“Andar a pé”, de Henry David Thoreau (1817 a 1862), tem sido uma das obras referenciais, que nos fala, de forma poética e extensiva, sobre essa temática. No entanto, jamais poderemos esquecer a beleza do texto, em Émile (1762), “Il faut aller à pied” (é preciso andar a pé), de Jean Jacques Rousseau. Esse filósofo, ao abordar, de modo subliminar, os ideais da Revolução Francesa, adverte-nos que “é preciso andar a pé”. Primeiramente, estaremos sempre livres para parar, onde quisermos: “liberté” (liberdade); depois, ao caminharmos como os outros, seremos iguais a eles: “egalité” (igualdade); finalmente, poderemos saudá-los, cumprimentando-os como irmãos: “fraternité” (fraternidade).
Andar a pé é coisa de andarilho, semelhante a peregrinos, em caminhos sagrados como os de Santiago de Compostela, na Espanha e, também por aqui, de Aparecida, Juazeiro do Padim Cícero ou nos Passos de Ibiapina. Foi o que fez Iveraldo Lucena, que criou o grupo de caminhantes “Andarilhos pés no chão”, para, através de estradas, praias e matas, reencontrarmos a verdadeira cidade. Enquanto isso não acontecia, éramos caminhantes a respirar o iodo do mar, o ar puro das florestas; a ouvirmos o cantar dos pássaros, o grito dos animais, as cascatas das águas; a sentirmos o aroma virginal da mata, o cheiro da terra, o perfume das flores. Em todos esses momentos, admiramos a beleza que Deus criou, da qual vivemos distanciando-nos, montados em carros e arranha-céus, e à qual somos tão cruelmente indiferentes: a nossa mãe Natureza.