ANO NOVO EM TEMPO VELHO
Damião Ramos Cavalcanti
ANO NOVO EM TEMPO VELHO
A mais misteriosa das categorias filosóficas é o tempo. Recebe várias definições que, mesmo somadas, não explicam definitivamente o que ele seja. Dentre elas, a mais simples é a de ser o tempo apenas uma convenção do homem, ao conceituá-lo como um fenômeno entre um “antes” e um “depois”.
Por outro lado, vivo a pensar que o tempo existe para se medir a vida. Com certa presunção, se não existíssemos para contar os dias, meses e anos, mensurando a extensão das nossas existências, quem o faria? A pedra, para saber os seus séculos? Seria o tempo uma mera convenção para colocar a existência humana entre esse “antes” e esse “depois”? Foi por causa dessas indagações que Luís Crispim e eu perdemos o pôr do sol numa das mesas do Golfinho, na Praia do Jacaré, na companhia de Adília. À boquinha da noite, saiu a conclusão de que não interessariam à pedra seus aniversários.
Que mal sucederia continuarmos chamando, por mais uns dias, 2010 de 2009? Mas, não. Ninguém aceita parar de contar horas e minutos e de gritar, logo depois da meia noite do 31 de dezembro, com euforia, abraços e brindes, a costumeira entrada de ano novo. E ainda mais desejando que o ano novo seja cheio de boas coisas, sempre melhores do que as do ano velho. Uns prometem o novo melhor do que o passado, baseados nos búzios, conchas e cartas; outros, com convicta certeza, explicam que o ano que termina com número par será sempre melhor do que o que termina com o número impar. Até poderiam recorrer ao determinismo grego de que haveria uma cronologia cíclica, em espiral, de idades dos metais, dos nobres aos de menor valia, e, de acordo com os seus valores, indicariam a felicidade no tempo: o período da idade do ouro seria mais feliz do que os das idades da prata, do bronze e do ferro.
Certamente o homem, ao tornar-se constantemente tal qual um grão de areia em relação à infinitude do tempo, fragmenta-o, subdividindo-o em séculos, anos, meses, dias, horas, minutos, segundos e átimos. Imagine-se perdido dentro de uma imensa floresta, 84 meses ou sete anos, quando seria o seu Ano Novo? O caro leitor também perderia as referências da necessária convenção e correlação das subunidades fracionárias do tempo. Pelo que se vê, o filósofo Santo Agostinho teria razão ao afirmar o predomínio, digo relativo, do homem sobre o tempo, de modo que é o homem que o põe sob medida e faz uso dele no espaço. Por isso, teria ele pensado ser o homem que faz o tempo, e não o tempo que faz o homem. Por consequência, seremos nós que faremos o ano novo feliz, se assim desejarmos Feliz Ano Novo.