OLHOS DE NUVEM

Aqueles olhos de nuvem, olhar delicado, tranquilo, sereno, despreocupado. Aqueles olhos de nuvem olhavam na minha direção. Ao mesmo tempo que me intrigavam com a fixação daquele olhar, fascinava-me a paz que me transmitiam. Olhos de nuvem de céu límpido, azul, em dia de sol e algazarra de passarinhos. Mas aqueles olhos, cansados das visões de tantos anos, de tantos acontecimentos, de tantas ilusões e ressentimentos se dirigiam a mim naquele instante e mexiam comigo. Às vezes eles piscavam, ficavam marejados e mais brilhantes. Às vezes buscavam no céu talvez alguma companheira nuvem que os fizesse mais íntimos no olhar. Às vezes desciam ao chão talvez com receio de demonstrar o frescor do seu olhar para um mundo tão perturbado e confuso.

Da minha posição, via aquele olhar com a perspectiva de um espectador num local privilegiado das cadeiras numeradas de um teatro. Podia vislumbrar aqueles olhos de puro devaneio, em busca de uma ilusão qualquer. Eu podia prestar atenção a qualquer detalhe, a toda pulsação, a todo ritmo de piscar das janelas da alma.

Alma! Era o que eu via de claro e absurdamente explícito naqueles olhos embaciados.

O corpo, claro, estava ali presente, mas era um mero figurante ao lado do grande astro principal daquele espetáculo. Braços cruzados sobre as pernas também cruzadas, ombros caídos para frente e olhos de nuvens, nas nuvens.

O mundo em volta parecia seguir o ritmo daquele olhar. Até meus gestos acompanhavam a suavidade daquela cena. Num banco da praça, no meio da tarde, à sombra de uma árvore. Sol fraquinho, vento manhoso, crianças ao longe, sons de buzina cortavam o ar, mas não chegavam a ser música de fundo desse ato de glória.

Os cabelos grisalhos um pouco crescidos, mais do que o necessário, a boca silenciosa sem o róseo de antes, as marcas do tempo nos vincos da face. Poderia ser meu avô, meu vizinho, meu futuro. Sua vida passada naqueles olhos, naquele olhar de nuvem.

Minha vontade era de chegar perto, e fui. Sentei-me ao seu lado. Parece que nem notou, ou não se importou. Minha curiosidade era maior que a vontade de ficar somente observando.

- Desculpe-me pela intromissão, mas preciso lhe fazer uma pergunta se não se importa. Posso?

- Claro, meu filho, fique à vontade para perguntar o que quiser!

- Eu estava ali em frente observando o senhor, desculpe-me mais uma vez, mas me chamou a atenção o quanto o senhor olhava em minha direção. Achei interessante como os seus olhos são calmos, tranquilos mesmo, passam a leveza das nuvens para quem os olha. Eu tenho que lhe perguntar: o que o senhor viu em mim?

- Agora sou eu que peço desculpas a você, meu jovem. Eu não poderia estar olhando para você. Meu olhar é vago, meus olhos já não me obedecem mais, se eles olhavam para você não sei, pois essas nuvens que você enxerga neles não passam de resquícios de uma catarata que eu tenho e não me deixa mais ver o brilho do dia, o céu mais límpido que se mostrar. Todas as tardes eu fico aqui, sentindo apenas o frescor do vento com as imagens guardadas de lembranças vividas em tardes claras de sol.

Baixei meus olhos naquele instante. As nuvens dos seus olhos continuavam lá, serenas, úmidas. E o meu olhar deixou escapar um fio de chuva das nuvens que um dia ocuparão todo o céu do meu ser.