Dias e noites, uma mesma cor
Cigarro, fumaça, bafo, cachaça, cama, insônia. Entre uns e outros, José errava pelos becos da cidade. Não tinha sol, não tinha lua, nem meio-dia, nem meia-noite, tudo se resumia a uma coisa só. Mulheres eram sempre as mesmas: Diferentes.
Já nem se levantava mais da cama. Não por estar com sono ou cansado, nem por medo de encarar a vida, e sim pela negação desse medo. Não correria o risco de fracassar se nunca tentasse, assim preservava sua auto-estima.
A seu modo os dias iam passados, dias e noites, gotas de chuva, e ele permanecia lá, naquela mesma cama. Por mais que se levantasse, ainda estava lá, deitado, imóvel na cama. Não seria um simples café preto que curaria sua sonolência crônica.
Maços e maços de cigarro iam para a caixa de lixo numa velocidade estonteante, garrafas e garrafas de cachaça seguiam o mesmo trajeto. Dias e noites, mais uma vez, passando despercebidos. Até que ressaca fizesse a luz entrar como punhal em seus olhos, como ele bem conhecia.
Foi numa dessas ressacas que sonhou o que nunca deveria ter sonhado. Sonhou com sua filhinha, de vestido rosa e lacinhos no cabelo encaracolado, adorável. Chamando, gritando, seu pai. Queria correr até ela, mas estava preso, preso a si mesmo.
Acordou, e chorou, chorou, até seus olhos não responderem ao pedido de sua dor por lágrimas. Naquele dia ele saiu da cama, de fato. Conseguiu enxergar a luz do sol e entender que era dia. A mesma luz que antes agia como punhal em seus olhos, agora ilumina sua mente, ilumina as ruas que atravessa, ilumina o dia.