Professor, Meio do Sistema (“A inveja é assim tão magra e pálida porque morde e não come.”)

Sentado na varanda de casa, aproveitando meu breve recesso, ouço uma reportagem na Rádio CBN sobre a nova lei contra crimes na internet. O entrevistado, indignado, faz uma comparação que me intriga: "Imagine penalizar o fabricante de um carro porque um ladrão o usou para roubar!" Esta metáfora ecoa em minha mente, levando-me a refletir sobre meu próprio "mundinho educacional".

Como um professor pode ser responsabilizado pelo fracasso de alunos descomprometidos? É como se eu fosse obrigado a reescrever a história por não ter conseguido que todos os personagens tivessem um final feliz. Lembro-me do ano passado, quando decidi ser mais rigoroso, deixando vinte por cento dos alunos em recuperação. O resultado? Fui chamado de "burro" e "sadomasoquista" pelos colegas. Ironicamente, nos anos anteriores, quando aprovava todos diretamente, era taxado de "frouxo". Parece que não há como agradar a todos neste jogo educacional.

As palavras de Ventania, de quem sou fã, ecoam em minha mente: "Estou aqui sentado na beira da estrada. Fazendo uma fogueirinha. Enrolando uma palhinha. Escrevendo essas linhas. Vendo o caminhão passar." Sinto-me como ele, observando o mundo passar, enquanto lido com meus dilemas internos.

A recuperação paralela se tornou mais um teatro no grande espetáculo da educação. Como recuperar em três dias o que não se aprendeu em um ano? É um "faz-de-conta" institucionalizado, onde notas são maquiadas e conteúdos são esquecidos. Sou forçado a deixar alguns "gatos pingados" em recuperação para silenciar os colegas invejosos que não suportam me ver em recesso antecipado.

A inveja, como diria Francisco Quevedo, é "tão magra e pálida porque morde e não come." Eles observam meu recesso antecipado com olhos famintos, sem perceber o peso que carrego. Sinto-me o elemento mais ordinário da natureza, forçado a pagar uma dívida que não contraí.

Reflito sobre o sistema que nos aprisiona - alunos, professores e sociedade - em um ciclo vicioso de expectativas irreais e resultados fabricados. Talvez seja hora de repensar não apenas nossas práticas, mas todo o conceito de educação e avaliação.

Como diria Ventania, gostaria que meus "chinelos fossem de pneu", para aguentar a caminhada árdua que se apresenta. Mas, neste ritmo, temo que minha jornada possa ser mais curta do que imaginava.

Enquanto o sol se põe no horizonte, concluo que ser professor é mais do que ensinar conteúdos. É ser resiliente, é questionar, é buscar um equilíbrio impossível entre o ideal e o real. A verdadeira nobreza do magistério reside na capacidade de resistir e persistir, mesmo quando tudo parece conspirar contra.

E assim, entre críticas injustas e dilemas éticos, sigo minha jornada nessa montanha-russa emocional que é a educação. Acredito que ainda podemos fazer a diferença, um aluno de cada vez, mesmo que o sistema pareça trabalhar contra nós. Afinal, é nessa luta diária que encontramos nosso propósito e nossa força como educadores.

Questões Discursivas:

1. O texto apresenta uma crítica contundente ao sistema educacional, expondo as contradições e desafios enfrentados pelos professores no dia a dia. Através da metáfora do "fabricante de carros" e da reflexão sobre a recuperação paralela, o autor questiona a responsabilidade atribuída aos educadores pelo fracasso escolar. De que forma o autor critica a cultura de culpabilização do professor e defende uma visão mais crítica do papel da educação?

2. O autor se compara ao personagem "Ventania" de uma música e utiliza a metáfora dos "chinelos de pneu" para expressar sua resiliência e persistência na profissão docente. Como essas referências contribuem para a construção de uma imagem complexa e multifacetada do professor, que vai além da figura do mero transmissor de conhecimento?