A máquina do tempo
A Máquina do tempo
A deliciosa fábula A Máquina do Tempo (Herbert George Wells - 1866-1946) mistura ciência, aventura e política; pela ficção científica, o autor socialista, nos revela a história do frenético cientificismo do final do século XIX. A partir do rompimento de aspectos do modelo newtoniano, as concepções de movimento, espaço e tempo são modificados, e com isso, a própria maneira de dizer o que é real. Nosso personagem, um cientista inglês, escapa do seu tempo, viaja para o futuro e com pensamento especulativo, verifica a autenticidade das teorias de mudanças históricas, como o marxismo. Numa reflexão inicial, afirmava - quando a segurança e a paz forem obtidas e a humanidade entrar em perfeita harmonia com o ambiente, haverá um apaziguamento do desejo; assim, o destino da energia em segurança seria voltado para a arte e para o erotismo, vindo depois, a apatia e a decadência. Mesmo o impulso artístico deveria morrer, dando lugar à inação satisfeita. No mesmo ano da publicação do livro de Wells, Freud escrevia seu Projeto para uma Psicologia Científica; com um modelo ainda fisicalista, apresenta o germe de sua teoria pulsional, que seria desenvolvida duas décadas mais tarde: pulsões de autoconservação versus pulsões sexuais. Sua teoria da libido não previu seu esgotamento; muito pelo contrário, a konstant kraft sempre impulsionando o homem; mesmo quando fala em pulsão de morte, transformando sua dualidade em monismo pulsional, está apontando para uma tentativa impossível de esgotamento, numa eterna tentativa, jamais obtida, de apaziguamento. Não adianta - estamos condenados ao desejo. Por outro lado, Wells na sua previsão de apatia total da humanidade ironiza as teorias de sua época, quando afirma que teorias simples e plausíveis são as teorias quase sempre erradas. Temos ao longo do texto, um desfile dos diversos conhecimentos da época, assim como, a utilização de noções reveladas pela ciência, que fornecem material para o imaginário do escritor. As teorias da evolução de Darwin, com sua seleção natural e batalha egoísta pela existência é comprovada. As adaptações biológicas das asquerosas criaturas dos subterrâneos seguem o darwinismo e as descobertas da zoologia da época - descobertas dos peixes sem cor, que vivem na escuridão das grutas de Kentuck - uma nova raça humana aparece adaptada ao meio; nesse delírio, Wells apresenta dados históricos da época: a existência dos subterrâneos dos escritórios de Londres da Metropolitan Railway e os operários que vivem em condições artificiais, excluídos dos confortos e riquezas dos ricos, constituindo uma nova raça. Nas reflexões das teorias sociais e políticas, nosso autor vai pintando um quadro provocativo aos marxistas da época. Os Morlocks, descendentes da classe trabalhadora, vivem nos subterrâneos e possuem as máquinas que permitem a vida de ócio dos seres da superfície - os Elois. O equilíbrio entre essas duas populações tão diferentes é obtido pelo fato dos Elois serem o alimento dos canibais Morlocks. O palácio verde de porcelana, antigo museu de história natural onde o viajante encontra restos de livros apodrecidos, junto às quinquilharias de fósseis, minérios e armas enferrujadas formando um conjunto, ironicamente inútil, para a simplicidade das vidas dos estúpidos Elois, que só conheciam o prazer despreocupado e o medo dos Morlocks. Tanta ciência, tanto conhecimento teórico para dar em nada? O sonho da inteligência humana fora breve. A busca de uma sociedade equilibrada cuja divisa era a segurança e a estabilidade alcança suas metas para chegar à decadência. São conclusões ousadas do autor. O comportamento dos nossos descendentes no ano de 802.701, não escapa ao comportamento trivial em busca da dominação interindividual e intergrupal; a mesma preocupação da propriedade, dos espaços e dos seres. Teremos realmente de optar: sermos canibais metafóricos ou concretos, não importa, ou vítimas deles? Esses seres do futuro não adquirem na fábula um novo comportamento social. Por que não pensar num novo nível de organização? Não foi isso que a evolução fez, num salto prodigioso da passagem dos unicelulares para os pluricelulares até o homem? Não seria o ser humano passível de mutações evolutivas no comportamento social? Wells joga um balde de água fria nessa pretensão e nos apresenta na parte final do texto, numa visão quase mística, milhões de anos adiante, uma Terra sem humanos, com um mar de cor vermelho - sangue, com um sol imenso, e com animais gigantescos e grotescos. O viajante testemunha um eclipse e mergulha num frio silencioso e mortal. Nessa descrição de uma angústia cósmica, que torna ridículos nossos interesses particulares, Wells aponta a insignificância de nossas ciências que alcançam muito pouco do nosso universo. Isso era tão verdadeiro no início do século XX
como agora no XXI. Apesar de todas as revoluções da ciência, apesar de Einstein, vivemos na incerteza.
O que diria Wells (1866-1946) se nos dias de ontem e hoje, como homem invisível circulasse pelas grandes capitais? Principalmente, se observasse o comportamento do homem comum e dos políticos? Teria feito idéia de que o feminismo que defendia transformou-se na escravidão do erotismo e do desejo? Como teria julgado (?) Pio XII pelo comportamento na matança dos judeus? Como se comportaria observando as máquinas mortíferas usadas pelos americanos no Vietnam, Afeganistão e Iraque? O que diria da demolição dos espigões gêmeos de New York? Como comentaria a derrocada do regime soviético? Quem são os verdadeiros canibais metafóricos ou reais e suas vítimas? Afinal quem somos nós descendentes de Bush & Bush?