OS DERRETIDOS SENTIMENTOS DO ASFALTO
Brava Gente Brasileira
Longe vá temor servil;
Ou ficar a Pátria livre,
Ou morrer pelo Brasil.
(Hino da Independência)
letra EVARISTO DA VEIGA
música DOM PEDRO PRIMEIRO
Era quase noite dum domingo, hora que o sol já batia no chão da terra quando vinha eu não totalmente distraída a dirigir pela rua Estados Unidos, aqui na capital de São Paulo.
Quem gosta de escrever possui olhos atentos e coração acionado e não fosse minha fome pelas cenas do cotidiano talvez tivesse perdido o que por ora narro a vocês.
Ele, o meu ator principal, era um homem de não mais de trinta anos, sentado ao meio fio do semáforo, a se alimentar dum sanduiche desses de lanchonete de grife americana espalhados pelos quatro cantos da cidade, que ele acabara de receber de alguém.
A cada mordiscada se colocava na posição supina e numa altiva postura de líder erguia seus pés e nas pontas dos dedos nús proferia um discurso, com o indicador esquerdo a apontar para cima: "Porque o Brasil...e o povo...e o governo...e blábláblá..."
Desviei o olhar em direção ao seu dedo, baixei o vidro do carro, mas a bem da verdade não pude entender o que dizia porque falava de boca cheia, embora pudese eu ouvir seu coração pleno bem como sentir sua esperança vazia.
Até aí nada demais, posto que a cidade está abarrotada de moradores de rua, fato que por aqui se impulsionou nos últimos anos e eu não saberia explicar o porquê, posto que dizem que nosso país está perfeitamente administrado no que se refere às necessidades básicas da dignidade.
Porém ele apontava para o seu inusitado, cravejado num poste logo acima da sua cabeça.
Um manuscrito em letras garrafais e trêmulas, meio infantilizadas nos traços, registrava uma estrofe de versos do nosso belíssimo HINO DA INDEPENDÊNCIA, com uma notória inclusão talvez realizada por ele:
Brava Gente Brasileira
Longe vá temor servil;
Ou ficar a Pátria livre ( DOS CORRUPTOS!)
Ou morrer pelo Brasil.
Fiquei ali boquiaberta e confesso que a minha vontade foi descer do carro e discursar ali com ele.
Foi então que acreditei nas estastísticas que versam sobre a história de vida dos moradores de rua, aonde muito deles têm alta escolaridade, e uma sequência dramática de perdas. A da esperança talvez seja a pior e a mais prevalente delas.
Como de costume saí dali pensando... pensando...até que alguém me trouxe à dura realidade daquele novo Hino com o soar dum baita "buzinaço".
"Ô dona Maria, vê se anda...", eu mesma disse a mim.
Mas andar por aqui...como é difícil!
Perguntem-me o quê aprendi com a nova versão do hino dele e eu lhes respondo que muito provavelmente -nós, a não tão brava gente brasileira- estamos fadados ao último verso daquela estrofe, afogados num mar de corrupção...nas tsunames de sempre.
Feliz Natal , brava gente!