A CRIANÇA, O HOMEM E O VELHO

A mesa para o café estava posta. Tudo parecia impecavelmente organizado e limpo. Sentei-me. Após alguns segundos de espera resolvi num impulso de amor, prepara-lhe o lanche.

Tomei o pão e cuidadosamente cortei-o. Passei-lhe manteiga e coloquei-o no prato, sobre o guardanapo de papel. Repeti a cena e servi-me, enquanto a aguardava. Entretido, não a percebi aproximar-se. Ela abaixou-se e recolhendo algo do chão quebrou o silêncio: ‘êh, meu velho! Voltou a ser criança mesmo! Veja quantas casquinhas de pão você já esparramou pelo piso’.

Tomado pela surpresa, sorri marotamente, enquanto suas palavras faziam eco em minha consciência. A crítica não tinha um tom de ofensa, nem poderia, pois tenho apenas cinqüenta anos e de forma alguma me considero velho. Pelo menos eu não! No entanto, penetrou em minha alma e, num flash de segundos arrancou-me uma profunda reflexão que me levou a responder-lhe com uma indagativa: ‘e você, sabe por que o homem quando fica velho volta a ser criança?’ Fez-se novamente o silêncio. Nossos olhares se encontraram na tentativa de alçar uma resposta, que nem mesmo eu sabia. Nunca havia pensado nisso. Ela voltou o olhar para o chão, apanhou a última migalha de pão e murmurou, balançando negativamente a cabeça: ‘não! Eu não sei a resposta. Você sabe?’

Foi incrível. A imagem de Cristo tomando uma criança no colo surgiu como num passe de mágica em minha mente, enquanto a resposta soava instantaneamente em minha boca: ‘quando ainda criança, o homem vive a pureza de coração. Tem sua alma livre das coisas do mundo e vive cada momento em plenitude. Não julga, não deseja o mal, não se preocupa com o amanhã. Vive a fantasia da vida no momento presente, sem vínculos com o passado ou com o futuro. Quando cresce, pensa ter consciência de si mesmo e quer usufruir de tudo que o mundo lhe oferece, como se fosse o dono de todas as coisas. Acumula bens materiais, planeja seu futuro tendo como base o que viveu no passado. Preocupa-se com o amanhã e se esquece muitas vezes de viver o dia de hoje. Trabalha e estuda freneticamente. Ocupa todo seu tempo com a correria da vida moderna onde o que mais importa é o conjugar do verbo Ter, na primeira pessoa. Quando a idade chega e ele envelhece, percebe que sua vida foi uma tremenda ilusão. Na busca do Ter, deixou de Ser. Então, volta a ser criança, na tentativa de ainda poder resgatar um pouquinho da dignidade que a ambição lhe tomou e o impediu de ser feliz. Quem sabe assim, como criança, ainda possa sentar-se novamente no colo do seu criador e, desapegado das coisas deste mundo, possa sonhar com seu pedacinho de céu’.

Novamente nossos olhares, agora molhados, se cruzaram. Ela sorriu-me, e pude perceber Jesus refletido em seus olhos.

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