Preventivas
PREVENTIVAS
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 23.12.2009)
Compulsando-se um mapa da Ilha de Santa Catarina, observa-se com facilidade a existência de um apetitoso enclave de terra desocupada junto às águas da Baía Norte. A área fica dentro da cidade que domina a ilha, a qual, cidade, vem a ser, justamente, a capital do Estado de Santa Catarina.
Dito território permanece verde, posto que arbustos e árvores mais grandes vicejam por ali, dominando o espaço que se encrava entre os bairros da Trindade, pelo lado Sul, Itacorubi, ao Norte, e Córrego Grande, a Leste (a Oeste, o Oceano Atlântico espreme-se numa estreita língua líquida entre a ilha e o continente fronteiro ao longo de 80 quilômetros). O "Google", hoje, não nos permite mais mentir a respeito de evidências geográficas, e é esta precisamente a configuração do local em foco.
Analisando-se mais de perto esse vasto império, percebe-se que ele se constitui de mangues em franco processo de extinção, um "habitat" povoado por jacarés, tartarugas, peixes vermelhos, garças, biguás, caranguejos, vermes, larvas, lagartos verdes, marrons e prateados, alevinos, camarões, aves em geral e seres menores e mais variados ainda - uma coisa enervante e horrorosa que só serve para travar o desenvolvimento da cidade e de toda a microrregião socioeconômica. Um atraso de vida, enfim.
A coisa já foi maior e mais drástica. Felizmente, governos iluminados, inspirados pela ditadura, cortaram o mangue longitudinalmente com a Avenida Beira-Mar, beirando o pântano fedorento, e a Avenida Madre Benvenuta, a Leste. Dos lados do Itacorubi, o avanço progressista vem vindo pela gradual ocupação que se faz através de inúmeros edifícios e condomínios que nascem lá das bandas do cemitério.
A situação é clara: como Florianópolis se tornou o objeto de desejo de uma classe média desvairada e enriquecida sabe-se lá por quais meios, mister se faz liquidar o mangue de vez, aterrando-o para a construção de milhares de “unidades de lucro” (fácil). O dinheiro farto assim arrecadado será aplicado na serra, em terras altas, à espera desses desesperados executivos e profissionais qualificados - esses mesmos que hoje ocupam as áreas de preservação que terão de abandonar assim que o aumento inexorável e brutal do nível dos mares o exigir.
Não é por menos que Manoel Osório comprou uma casinha em Alfredo Wagner e já mandou levar para lá sua imensa e valiosa coleção de elefantes azuis.
(Amilcar Neves é escritor de ficção e autor, entre outros, do livro "O Insidioso Fato – Algumas historinhas cínicas e moralistas", contos, UDESC/Editora, Florianópolis)