Pequenos contos de natal "A cerveja de seu Alonso"
Continuo debaixo dêste sol forte.Assola-me uma sêde intensa...Sacio-lhe com um copo de água gelada.O suor corre pela minha face e as pessoas,em seus carros,singram o asfalto quente rumo às cachoeiras,às piscinas,parques e bosques.
No breve instante que me reservo para beber água surge-me um personagem natalino à mais, que também registrou a sua marca.
É costume aqui no Sul,o preparo artesanal das cervejas caseiras...Especialmente para o natal,quando as donas de casa se esmeram (ou esmeravam-se) no preparo do delicioso líquido.
Cada uma dava ao produto o seu "toque especial",segredo mantido a sete chaves que diferenciava , em muito ,umas das outras.Sair da casa de alguém sem experimentar um copo da "loiruda" era quase uma desfeita.E a espumante nunca vinha só.Faziam-lhe companhia, quitutes e algumas guloseimas.
Morávamos num pequeno sítio cercado de árvores frutíferas.No natal era época das ameixas. O cheiro daquelas frutas embalado pela cantilena dos sabiás e sanhaços é algo que acompanha -me sempre.Na ante véspera do Natal,costumeiramente recebíamos a visita de Seu Alonso Reis acompanhado de dona Aidê ,sua espôsa.Proprietarios de uma luxuosa loja de confecções no centro da cidade,abriam uma brecha em suas agendas para a famosa cerveja de dona Hilda ,minha mae.
Alegres e simpáticos as figuras carismáticas do casal chegavam e seguiámos para debaixo do arvoredo.Seu Alonso apanhava as ameixas vermelhas e sumarentas,e com um canivete de bolso ia deliciando-se com aqueles frutos vermelhos e vistosos.
Logo surgia a figura de dona Hilda trazendo uma jarra com a cerveja reservada ao Seu Alonso.Um brinde entre amigos,cumprimentos,eventualmente a troca de algumas lembrançinhas e o casal seguia levando os litros que lhes haviam sido preparados.
Acompanhei durante a minha infância e adolescência o desenrolar destes encontros,que apesar da singeleza,aconteciam quase como um rito natalino.
Foram-se todos...E debaixo dêste sol a água gelada que agora bebo,traz-me de volta o sorriso cordial de seu Alonso,a alegria de meus pais,o cheiro do pomar...A cantilena dos sabiás desafiando naquêles rádios antigos o conhecido anúncio das casas Pernambucanas..."Dezembro vem o Natal!..."
Bobagens...Delirios debaixo de um sol escaldante fazendo-me engolir uma saudade doce.
Saudosismo?
Sim,e daí?
Quando a memória traz à tona o que a vida nos proporcionou de bom,o melhor à fazer é extravasar.É sorver de um gole só a taça da lembrança,que no meu caso tem sabor d e cerveja caseira.A cerveja de "Seu Alonso".