GASPARZINHO

Lourenço Silva de Jesus era seu nome. Pequenino apesar da idade, pai de família apertado, cabeça e bigode enormes em proporção ao seu corpo, ele trabalhava no “Faturamento” da “Britânnica” sob as ordens do nosso tranqüilo Pedro Sérgio.

Sempre apavorado, andava ligeirinho de lá pra cá, de cá pra lá, cumprimentando um, gozando outro, pedindo quinhentos mangos emprestados “até o fim do mês” na “Contabilidade”, pagando duzentos na “Cobrança”, o fato é que o baixinho era a mascote da firma. Um metro e vinte de puro atrevimento!

Ponta esquerda do quadro de futebol dos casados, ele entrava em campo quase tragado pelo uniforme do time. Rápido, elétrico eu diria, em certas jogadas deixava seu marcador para trás e corria desesperado em direção ao gol. Dormisse o goleiro no ponto e ele marcaria, saindo a correr em seguida, dando pulinhos e gritos de alegria, até que alguém o carregasse em triunfo por sobre os ombros (lembram-se do jogo em Guarulhos?).

Também só aparecia nos quinze primeiros minutos da partida, entregando-se logo ao cansaço, num desgaste físico que dava pena. Boquiaberto, faces lívidas, coração batucando, pernas bambas de criança, chegava à beira do campo e pedia substituição imediata:-

“- Num guento mais, tô pregado! ...”

Lourenço Silva de Jesus era, todavia, um sujeito a quem se pode chamar de “um grande cara”! Pequeno na estatura, grande no sentimento e no coração.

Certo dia, na hora do almoço, o pessoal já batendo o cartão em ruidosa alegria, sol alto, queimando, estômagos regurgitando de fome canina, o baixinho gravou para sempre, em traços dramáticos, na mente de todos que viram o episódio (e dos que souberam depois pela boca dos outros), o perfil indelével de sua figura hilariante, de maneira sensacional:- varou um dos vidros enormes do páteo, saindo ileso e assustado do outro lado. Como? Não sei, mas ele o fez.

Vítima dos efeitos da claridade excessiva daquele dia, talvez, ultrapassou o espesso vidro que dava para o pátio, tal e qual “Gasparzinho”, o fantasminha camarada, só que, ao invés do Gaspar, provocando ruídos e estilhaços de vidro partido, deixando atrás de si um buraco em forma da sua pequena silhueta.

Incrédulo e atônito, tremendo como vara verde, a testa vermelha pelo baque forte, lembro-me bem de, ao socorrê-lo e apalpá-lo (estava inteiro, graças a Deus!), ouvir de seus lábios descorados:-

“- Puxa, mineiro, veja só por onde eu passei! ...”

-o-o-o-o-o-

São Paulo, 01/1968

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 21/12/2009
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