Dona Rosa
Dona Rosa caminha pelo corredor empurrado seu bucólico carrinho de limpeza. Metro a metro, o “cabriolé da higiene” avança às novas convicções da vida. Dona Rosa carrega astúcia na sua passada. As mãos, marcadas pela idade, evidenciam pureza humana e relatam histórias. Neste momento, em que eu a observo, ela exibe uma profunda imagem de reflexão. Está com óculos de grau exposto na ponta do nariz, fixando seu olhar para baixo, provavelmente focando alguma folha de papel amarrotada por alunos que mal conseguem arrumar suas camas no acordar do meio-dia.
De repente tudo para e, ao mesmo tempo, tudo se move.
Dona Rosa, mulher que desperta no raiar do primeiro minuto do nascer do sol para perpetuar mais um capítulo de seu trabalho, tira os óculos. O simples ato me catapulta a outras dimensões. Me pego pensando no pretérito que essa mulher transporta na memória, no corpo e na alma. Agora os óculos guardados dão lugar a um par de luvas verdes, de tecido sintético, que servem de alimento a sua rotina. Era hora de lavar os banheiros do quarto andar do prédio das Ciências da Comunicação da Unisinos.
Fico impressionado com a capacidade que alguns seres humanos possuem de suprimir qualquer espaço físico onde pessoas como Dona Rosa ocupam. É possível contar nos dedos o número de alunos, professores e funcionários que a cumprimentam no decorrer do dia. Ela não é uma desconhecida, ela é a Dona Rosa. É casada. Tem filhos. Ela também é quem limpa os ambientes que frequentamos para trabalhar, estudar ou mesmo para jogar dinheiro fora quando, assim, integramos nossas momentâneas ideologias baratas. Ela é uma das mulheres que transcendem duras e frias camadas acadêmicas e são ignoradas pela visão social. Talvez seu uniforme possa justificar, boçalmente, algum medo que se tenha em dar-lhe um singelo “oi”. Ou, quem sabe, seu crachá possa causar certo espanto quando sua identificação pertence a uma empresa terciária, prestadora de serviços à instituição.
A verdade é que no dia seguinte, notada ou não, Dona Rosa estará caminhando entre nós, empurrando seu “cabriolé da higiene”, sendo ignorada por dezenas, centenas e, por que não, milhares de olhos.
Descobri Dona Rosa há alguns meses. Eu havia disponibilizado fragmentos de minha simpatia expressando um sorriso sincero. Disse “Boa tarde” e, sem seguida, indaguei-a: “Como a senhora tem passado?” Dona Rosa enaltecia felicidade. Seu olhar emitia sentimentos recíprocos. Dias após, eu já era íntimo de Dona Rosa. Descobrira seu nome, sua idade, sua existência. Os poucos minutos que conversávamos no início da tarde nos rendeu uma bela amizade.
Tudo porque passei a enxergá-la.
E eu que observava o mundo, deixei de notar o essencial: a vida.
Triste realidade.
Tristes olhares.