Confrarias necessárias
Tenho notado, de certo tempo pra cá, significativa mudança comportamental nos cidadãos desta nossa Montes Claros. Embora o exercício da prosa com amigos faça parte das nossas necessidades diárias – quando evocamos o passado, em contínua reconstrução coletiva – uma sutil transformação vem ocorrendo, neste particular.
Certamente para reforçar o sentimento de pertença, os norte-mineiros, auto-intitulados “bípedes implumes roedores de pequi”, agora queremos fazer parte de uma confraria, pois faz bem à auto-estima.
Em sua formação clássica, as confrarias são associações laicas que funcionam sob princípios religiosos, normalmente para práticas caritativas ou assistenciais. Todavia, por extensão de sentido, são associações ou conjunto de pessoas do mesmo ofício, da mesma categoria ou que levam um mesmo modo de vida. E é nessa última acepção que elas vêm surgindo com força em nossa urbe, restritas a pessoas unidas por um liame comum, por frequentarem os mesmos espaços ao longo do ano – bares, restaurantes e clubes, de uma maneira geral.
Nos últimos dias, talvez movidos pelos eflúvios do espírito natalino, as diversas confrarias se movimentaram em encontros festivos pelos bares e clubes da cidade, com os integrantes devidamente paramentados com camisetas que os distinguem dos cidadãos comuns.
Não posso negar que faço parte de muitas delas, e isso muito me apraz. Sou mesmo afeito a uma prosa nos lusco-fuscos calorentos, quando aproveitamos para “molhar a palavra” com uma cerveja gelada ou com uma água de coco. Mas tudo com moderação, exceto no fim do ano, quando abundam os encontros festivos, às vezes até dois por dia. E aí, assalta-nos o utópico desejo de procurar um fígado de aluguel, quando o sal de frutas não dá cabo na indisposição do dia seguinte, causada pela imoderação no comer e no beber...
Afora os clubes de serviços – confrarias por excelência - outras associações do gênero foram surgindo. Assim, temos as confrarias do Skema (desde 1986), a da Massa e do Vinho, do Café Galo, da Turma do Balcão do Skema, da Turma do Balcão do Kentura, da Sociedade dos Poetas Quase Mortos, dos Usuários de Chapéus Panamá, da Turma da Imprensa, e da Turma do Bem (do Orkut)...
Este ano, duas novas surgiram com vigor, e já assinei minha ficha de filiação: a Confraria dos Amigos do Peré – em torno do jornalista e escritor Luis Carlos Novaes – e a da Turma do Brejo das Almas, de ex-colegas de Banco do Brasil, em Francisco Sá...
Sem essas confrarias, confesso, dificilmente escreveria minhas crônicas e meus comentários na imprensa, pois essa interação é muito importante para realimentar o espírito criativo e o senso de humor.
Mas há aqueles que laboram a pena com maestria, sem esse contato direto com o povo, e falam até do sexo dos anjos, de forma asséptica e isolada, tendo contato apenas com o fantástico mundo dos livros.
Não é o meu caso, evidentemente, por acreditar que nada sai do nosso cérebro sem que antes tenha passado pelos órgãos do sentido. Quando se utiliza o maior número de funções sensoriais (paladar, olfato, visão, audição e tato), é evidente que melhor será a nossa percepção, e melhor será a formulação intelectual decorrente...
Assim, vivam as confrarias!