Quarenta anos

Quarenta anos. Quarentinha. Quarentão. Quarentena... Estou nesse momento pensando no meu menino. No menino que sou eu e que fui e que nunca me abandonou – ao menos completamente. Este 20 de dezembro de 2009 é apenas e nada além de um número a mais – ou a menos – nesse nosso calendário cristão. Acontece que sou um homem nascido em meio às inúmeras variações do culto ao calendário. Portanto, não estou ileso às datas.

O que fiz nesses 40 anos? Pergunta óbvia de homem óbvio e mediano. Não que eu me sinta óbvio e mediano, mas num momento como o de agora eu não consigo fugir: o que fiz da minha vida nesses 40 anos? Quantos caminhos, descaminhos e ausência de vias visíveis, na cegueira do dia-a-dia... Quanto aprendizado... Quanto desaprendizado... Quantas e mortes e ressurreições... Não sei. Talvez eu tenha morrido e nascido bem menos do que deveria. De toda forma, vi um mundo de poesia e de pedra dura. Vi um mundo de alternativas e de algemas. Um mundo de belezas e de desgraças. Vi o encantador e o assustador. Vi coisas que, tenho certeza, só eu vi. Pois minha vida é só minha, apesar dos meus que me cercam e a mim se achegaram com minha parte de facilitação e permissão (e acaso). Eles, os meus queridos, não sabem o que eu sei, não sabem o que eu vi, não sabem o que eu senti. Os mais doces e os mais amargos momentos. E, confesso, que o que vi, foi meio que como um expectador querendo entrar no filme. Como se o homem que sou estivesse o tempo inteiro, em quase todos os dias desses 40 anos, projetado numa tela, em ação, assistido da poltrona por meu clone expectador. Como se a tela – a vida – fosse uma parte da verdade, e a poltrona – a sobrevida – a outra.

Quarenta anos amando cada por de sol, amando cada amanhecer, amando cada verde, cada flor, cada caminho, cada homem e cada mulher e tentando-os compreender e sabendo são todos eles muito confusos – uns de beleza mais fácil, outros mais difícil. Quarenta anos ouvindo e cantando canções a cada santo dia. Todos os dias são santos e todos merecem música e celebração. Daí um certo desconforto que tenho com as celebrações formais. Eu tendo a considerá-las hipócritas e feias, pelo fato de pensar eu que a vida inteira deveria ser uma celebração. Além de serem, a maioria delas (refiro-me às celebrações formais com pompa e sorrisos obrigatórios), de uma estética muito comprometida com feiúra e frustração plástica. Não se celebra um quadro como se ele fosse mais forte que a verdade. Um quadro com uma flor pode ser belo e humano e representar a boa vontade estética dos homens, mas nunca será tão importante quanto uma flor. Um quadro com uma mulher nua nunca terá o calor e a verdade de uma fêmea. Então as celebrações me parecem tentativas frustradas de agradecer à vida, na tentativa de “enquadrá-la”. Talvez toda a própria arte seja fruto da nossa impotência de criar beleza verdadeira. Talvez a melhor maneira de agradecer a vida seja viver.

De toda forma, estou eu aqui a escrever sobre uma data que é apenas mais um dia após o de ontem. Sou um homem maduro (?) e comum. E tenho uma tempestade na alma. Uma jovial tempestade de umidade, correntes voando, galhos se rompendo, animais correndo assustados. Mas sou também uma árvore com raízes bem firmes, adornada com flores amarelas sob um ameno sol.

Neste exato momento uns passarinhos estão fazendo um tremendo barulho aqui no meu pequenino quintal. Eles estão em volta do pequeno pé de figo. Eles são lindos, e o vento no quintal é lindo, e as pessoas são lindas. Daqui a pouco devo ouvir música, com a inseparável companhia da história que já se foi – porém nunca irá de fato, visto que toda história é eterna e a minha não é diferente. Venha a vida. E seja bem vinda.

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