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FILHOS DO CRACK

 
 
Eles são muitos, vivem na miséria, não só da miséria da fome, da falta de moradia, de abrigo, de educação, além dessa miséria, eles vivem a miséria humana, do desespero, da entrega total a este inferno, chamado drogas, principalmente o crack. 

Aqui a idade varia entre 9 a 30 anos de idade, mas um em especial chamou minha atenção.
 
Franzino, aparentando mais ou menos 8 anos de idade, cabelos encaracolados, loirinho quase ruivo.
Totalmente debilitado, as orelhas parecem enormes, o nariz fininho, dá a impressão de um ratinho mal tratado..Os olhos de um verde lindo, só mostra tristeza, não há brilho, não vida neles, mas também não vi maldade, só falta de vontade de viver.

 
Num dia desses, ao chegar no meu local de trabalho, deparei com este menino deitado no corredor ao lado. Tinha chovido muito e ele estava todo molhado, encolhido num canto do corredor. A princípio imaginei que estivesse morto.

Levei um choque que me deixou paralisada, era apenas uma criança caída ali, suja maltrapilha. Parei, abaixei sobre ele e vi que respirava, tentei acordá-lo, mas foi me vão, ele dormia profundamente, apesar de molhado e sujo que dava pena.

 
Não houve como tirá-lo dali. 
Tentei chamar alguma autoridade da cidade para vir retirá-lo daquele local, mas em seguida quando voltei para vê-lo novamente ele já tinha sumido, deve ter fingido pra mim que dormia. 

Passei o dia todo intrigada com a imagem daquela criança na minha cabeça, não conseguia parar de pensar nele. 


Sempre chego e saio correndo e nunca tinha prestado atenção naquele menino, mas naquele mesmo dia quando saí já a noitinha do trabalho, quando estava entrando no carro pra ir pra casa, ele chegou à porta do carro e me pediu um dinheiro.

 
Olhei para aquele menino triste, sujo, desamparado, e lhe perguntei se ele tinha família, se freqüentava escola , enfim perguntei-lhe porque estava ali. Ele me respondeu que tinha mãe e que a mesma estava em casa e que ele ficava ali para ganhar algum dinheiro para comer. Perguntei se ele usava drogas ele se assustou e me disse que não, é claro que vi que estava mentindo.
 
Pedi seu endereço (( ele não me deu)) disse a ele que eu ia procurar pela mãe dele e eu o ajudaria e ia levá-lo de volta a escola...ahhhhh e foi aí que perguntei a sua idade............13 anos, disse ele.....Meu DEus pensei........aparenta no máximo 8.
 
Pedi para que entrasse no carro que eu o levaria para casa, porque assim eu falaria com a mãe dele, mas ele se esquivou...olhou-me assustado e saiu correndo, com as perninhas fracas que pareciam canelas de passarinho. tentei alcançá-lo mas ele sumiu por trás de uma construção.

No dia seguinte procurei pelo mesmo, mas não encontrei, e foi aí que vi a triste realidade que ele vive.

 
Comecei observar mais de perto a movimentação que por ali ocorria.

O que acontece aqui não é nada diferente do que acontece nas outras cidades do país, no entanto aqui o problema parece ser ainda mai grave devido as facilidades para se conseguir as drogas.

Vivo na fronteira do Brasil com o Paraguai, aliás, nem fronteira existe, tanto que é conhecida como fronteira seca,apenas uma rua separa  as duas cidades, ou seja separa os dois países, os povos se misturam o dia todo, crianças e adultos de lá vem para o lado de cá e vice versa.

 
Como eu estava muito preocupada com aquele menino que não saia da minha cabeça, conversei com alguns colegas de trabalho, e aí então fui levada a poucos metros dali para que eu conhecesse a realidade desses pobres garotos e garotas.
 
Em uma parada que é o ponto final dos ônibus que circulam pela cidade, em pleno centro principal da cidade, atrás da construção, é onde eles vivem, feito ratos no esgoto, na sujeira, pobreza e marginalidade ..........é ali que fica a CRACkOLÂNDIA.........sim, é isso mesmo, o local é vulgarmente chamado de Crackolândia.
 
Pois é aqui temos a  Crackolândia, muito diferente da Disneylândia que toda criança sonha, conhecer um dia, aquela Disneylândia dos sonhos, de magias, alegrias e brincadeiras, mas ela fica nos Estados Unidos e é feita de sonhos.

A nossa é a Crackolândia, um verdadeiro pesadelo um lugar sujo, desprezível e triste. Crianças e adultos se drogam e se prostituem a céu aberto, em plena luz do sol, ao lado de duas avenidas, onde circulam carros e gente o dia todo uma avenida do lado Brasileiro e outra no Paraguai. Todo mundo passa por ali, mas parece que ninguém vê, ou não quer ver.
 
Segundo informações, as autoridades do Brasil, o conselho tutelar já tentou várias vezes tirá-los das ruas, mas dizem que não resolve, porque a maioria vem do Paraguai e aí eles nada podem fazer.
 
A situação é deprimente.
Crianças e adultos num caminho sem volta, esperando só pela morte! Não há expectativa nenhuma de vida de esperança, de nada.

Perguntei-lhes sobre o que representa o Natal para eles, só me olharam e nada disseram, ao contrário, em certo momento achei que um deles já maiorzinho, ia me atacar.
Olhou-me com o olhar frio, um olhar sem vida, como alguém que queria me dizer...o que você entende da nossa vida?


Olhei-o fixamente e apenas lhe sorri, porque na hora não me ocorreu nada que pudesse aliviar aquele olhar.


Pergunto-me porque essas pessoas que distribuem este tipo de droga ou qualquer outra, não tem consciência do que fazem principalmente com crianças, e aqui a droga é fácil e barata. Com qualquer um real eles compram um pouquinho e daí em diante, fazem qualquer coisa pra conseguir a maldita droga.

Vivem das migalhas que ganham das pessoas e praticam também pequenos furtos na região, o que sempre acaba levando a morte de alguns deles , não só pela droga, mas assassinados.


Uma vez viciados, principalmente no crack, não há mais volta.
 
O menino de olhos verdes e tristes, não apareceu mais, fiquei sabendo pelos outros que é usuário da maldita droga e que já está em fase terminal, por isso eu o vi deitado aquele dia. Já o procurei muito pelas ruas, mas não encontrei, eu queria ter o poder de tirar daquela vida, pelo menos um.
 
Se eu conseguisse isso, já me sentiria feliz, estaria fazendo a minha parte, já que os outros que lá se encontram, já são mais velhos e violentos., e nem querem conversa, olham –me com desconfiança, com um olhar frio que me causa medo.
 
São filhos de ninguém, num país onde o dinheiro público é vergonhosamente desviado, quem pode de fato, construir um local para que essas crianças, tenham comida, educação, lazer e também aprender um ofício, para ter uma vida digna, com o mínimo garantido pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, para não entrar nessa vida, preferem fechar os olhos e deixar que o tempo e a desgraça resolvam por si só, deixando que estas crianças que deveriam representar o futuro do país vivam ou morram a própria sorte...!

Abaixo alguns artigos da lei 8069 de 13 de Julho de 1990 que trata do Estatuto da Criança e do Adolescente.



Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.


Art. 59. Os municípios, com apoio dos estados e da União, estimularão e facilitarão a destinação de recursos e espaços para programações culturais, esportivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude.


Art. 86. A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.


Art. 87. São linhas de ação da política de atendimento:

I - políticas sociais básicas;

II - políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo, para aqueles que deles necessitem;

III - serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão;


Neusa Staut!