Uma cama pra lá de redonda
Uma cama pra lá de redonda
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Assim que comprou o apartamento, ela pensou no quarto.
No seu quarto.
Estava na hora de realizar um grande sonho.
Ter uma cama redonda.
E giratória.
Rodando em várias velocidades.
- Credo, Teca! Você vai é ficar tonta.
- Se alguns têm complexo de Peter Pan, eu tenho de carrossel.
Fechou negócio assim que teve a garantia de que a cama giraria em várias rotações.
Ao gosto do freguês, como falou o vendedor, dando-lhe uma olhada panorâmica total.
Depois de devidamente instalada, Teca, toda feliz, foi comprar as roupas de cama.
Primeira dor de cabeça.
Dificílimo de achar.
E quando encontrava, tinha que enfrentar cores pra lá de esquisitas e os olhares dos vendedores.
Ainda mais quando ela dizia que o tamanho era king.
Um mais audacioso até se ofereceu para levar alguns modelos e testar na cama propriamente dita.
- Quem vê assim, nem imagina como fica na cama...
Teca saiu da loja furiosa.
Achou melhor comprar o tecido e mandar fazer as roupas de cama.
Sob medida.
Ouviu piadinha até da costureira...
Depois de tudo pronto, Teca foi estrear a cama nova.
Uma delícia!
Rodou, rodou que foi uma beleza.
Para depois descobrir que a televisão tinha que rodar também.
Do jeito que estava, teria um sério problema no pescoço para seguir a novela.
Ou poderia ver apenas capítulos dos capítulos diários...
Pensando em como resolver tal problema, Teca chamou os amigos para conhecerem o apartamento novo.
E, claro, a cama nova!
Nem é preciso dizer que o quarto foi a atração da noite.
Todos queriam “dar uma voltinha” na cama.
No final, ela era um amasso só.
E foi uma Teca morta de sono que jurou:
- Parque temático na minha casa nunca mais!
Mas estava enganada.
Quando voltou do serviço no dia seguinte, a irmã e o afilhado a esperavam.
Ficaram sabendo da cama nova.
- Felipinho não vê a hora de ver a cama da tia Teca!
Enquanto as duas irmãs tomavam um chá na sala, Felipinho ficou no quarto, prometendo “não mexer em nada”.
Depois de muita conversa, as duas sentiram falta dos gritos do agitado garoto.
- Felipinho tá quieto demais pro meu gosto...
As duas saíram mais do que depressa em direção ao quarto.
Lá chegando, não acreditaram no que viram.
A cama girava na sua maior velocidade e Felipinho corria em volta dela gritando:
- Para o avião que eu vou entrar!
E entrava “no avião”, mergulhando na cama de sapato e tudo.
Felipinho saiu dali vermelho de correr e de apanhar.
Depois de tanta confusão, Teca resolveu não falar mais sobre sua rodopiante cama redonda.
Quando perguntavam, ela desconversava e ficava por isso mesmo.
Meses depois, conheceu Pierre.
Um francesinho de dar água na boca.
Foi uma tórrida paixão.
Quando Teca o levou ao seu apartamento, Rê, como era carinhosamente chamado por ela, quase teve um treco quando viu a cama.
- Igualll cámá di motelll, ele caprichou no sotaque.
E caiu nela puxando Teca com ele.
Foi a cama começar a rodar, que ele deu um pulo.
- O que foi, Rê?
- Tenho verrrtigem com coisas que rrrodam.
- Vem cá! Eu desligo.
- Agorrra não dá más. Vou sentirrr que isso vai girrarrr a qualquerrr momento.
A paixão preferiu o pit stop do que a rotatória da cama.
Mas com Miguelito foi diferente.
Um espanhol mui caliente.
Tiveram uma noite maravilhosa, onde ele mostrou o grande chef de cozinha que era.
Mojitos foram preparados bem à moda espanhola.
E eles brindaram o encontro.
Brindaram terem se conhecido.
Brindaram o primeiro beijo.
Brindaram o segundo beijo, o abraço, a Espanha, o Brasil, o carnaval, as touradas, o Museu do Prado, Portinari e quando já não conseguiam mais acertar os copos, foram para a cama.
Tontos.
Apagaram.
Mas o hábito faz o monge.
Teca acionou a rotativa da cama.
Nem é preciso dizer o estado do quarto quando eles acordaram.
A Espanha teve um sério problema diplomático com o Brasil e vice-versa.
Danada da vida, Teca resolveu a cuidar da sua vida sem rodar tanto.
Precisava de uma academia, de um botox, de uma massagem.
Precisava de tudo.
Olhou-se no espelho e o que viu não foram pés de galinha.
Foram pés de chester.
Se cuidar, já!
Totalmente repaginada, Teca partiu para uma nova etapa: dar um fim na cama giratória.
Que fazer com aquele trombolho?
Dias depois, uma cama box, linda, estava no quarto de Teca.
A outra?
No quarto de Felipinho.
Brincar de “entrar no avião” era a única forma daquela peste dar sossego pra mãe!
(Obrigada , João e Anésia, meus companheiros de caminhada na Praça da Liberdade!
Obrigada, Stan, meu amigo recantista!
Valeu!!!)