Morrendo de saudade


          Acabo de chegar de São Paulo. Estive na fria Sampa durante uma semana, comendo do bom e do melhor. Bons vinhos ajudaram-me a suportar a baixa temperatura que, em determinadas horas, descia a menos de 15 graus.  Criado no calor do Nordeste, nas horas de muito frio, sentia-me como se estivesse em férias na Sibéria.

          Nos meses de junho e julho é quando São Paulo é mais gostoso. Não tem relâmpago; não tem trovão; nem chuva forte. A cidade tem um solzinho acanhado; e dorme e acorda com a garoa acariciando seus arranha-céus.
 
         Como não tinha absolutamente nada para fazer, resolvi curtir o frio, lendo um bom livro, aproveitando, inclusive, as primeiras horas do dia. 
         Decisão que não agradou ao meu filho Adriano, que me hospedava, com o carinho de sempre.  Preferia ver-me correndo ao seu lado, todas as manhãs, no Parque do Ibirapuera. No belo parque paulistano ele faz com Juliana, sua mulher, o seu arrojado cooper.

                       
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          Comprara na FNAC o livro intitulado O mundo Acabou, do jornalista Alberto Villas, que depois me deu munição para escrever esta insulsa crônica. 
         Comecei a rabiscá-la ainda em São Paulo, após andar por algumas ruas da capital paulista verificando se era verdade o que lera no citado livro. Vejam como foi.
 
          Manhã paulistana.  Caía uma forte neblina sobre a cidade.  Entrei numa sapataria chique, e pedi um par de galocha. O jovem vendedor, meio atordoado, desculpando-se, insinuou que galocha era coisa do passado. Agradeci, e fui em frente.

          Entrei numa loja de cosméticos e perfumes caros, na Rua Augusta. À mocinha do balcão pedi dois vidros de Glostora. E ela, aparentando ter uns vinte anos, foi logo me dizendo: "Glostora? Não sei do que o senhor está falando."   Nem tentei explicar-lhe o que era Glostora. Agradeci a atenção, e fui em frente.

          Em um barzinho da Brigadeiro Luiz Antônio pedi um Crush bem gelado. Com sotaque cearense, o garçom me disse não dispor da bebida. Lembrou, que bebera o último Crush quando tinha "dez anos de idade", em sua terra natal, o Juazeiro do Norte. E acrescentou: "E já estou com vinte e cinco, doutor." 
         Tomei uma Coca-cola, abracei o pai-d´égua conterrâneo, e me mandei.

          Passando por uma confeitaria, na Consolação, descobri lindos cachimbos na sua vitrine. Perguntei ao dono da confeitaria se ele também vendia piteira. E ele: "Piteira, moço, não temos, e já faz um bom tempo. Não quer levar um cachimbo?" Disse-lhe que não fumava. 
        Despedi-me, deixando-o com a cara de quem queria perguntar: "Se não fumas, pra que piteira?"

        Terminei minha peregrinação em uma grande farmácia, nas proximidades da Frei Caneca.  Solicitei à loira balconista alguns remédios, entre eles, Pílulas de vida do Dr. Ross; Óleo de risino; Óleo de fígado de bacalhau; e um frasco de Entorovioformio. 
         Uma jovem farmacêutica apareceu, e, exagerando, disse ao seu vetusto cliente: -  "Senhor, por favor, já estamos no Terceiro Milênio. Estes remédios são do tempo em que farmácia se escrevia com Ph e era chamada de botica."   Entendi a gozação, e dei no pé.

           De volta ao apartamento do filho, em Vila Nova Conceição, um bairro agradabilíssimo, comecei a rascunhar esta crônica, prometendo terminá-la tão logo chegasse na Bahia. 

          Em Salvador, li as últimas páginas de O mundo acabou morrendo de saudade dos tempos do Calcigenol; do Elixir Paregórico; do sapato Vulcabrás; do disco de Vinil; da bomba de Flit; do papel almaço; da goma arábica; dos maiôs Catalina; dos sabonetes Lever e Eucalol; da camisa Volta ao Mundo, e do dropes Dulcora.
           Do penico de porcelana, e de outras coisas mais recordadas por Alberto Villas, com inteligência e humor, no seu interessante trabalho.

          Oh! O mundo era outro. Esse, sim, acabou. 
          Pelo menos para este provecto cronista, um sujeito, como sempre, cheio de saudades...

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 20/07/2006
Reeditado em 28/02/2008
Código do texto: T198232