AQUECENDO AS LEMBRANÇAS
Quem nasceu e/ou viveu no interior, principalmente na zona rural, deve ter ouvido, pelo menos uma vez, algum dos inúmeros causos que as pessoas mais velhas contavam para as crianças e jovens da época como forma de educá-los para o mundo, estando todos, ali, sentados ao redor de uma fogueira.
Era naquele ambiente de rara apreensão e de busca por novos conhecimentos que Jô Formigon ficava horas a fio, sem sequer pestanejar, tamanha era a sua ansiedade pelo surgimento de mais uma estória nova. Isso acontecia, geralmente, no final da tarde, quase noitinha e geralmente varava pela noite adentro.
Quando não aparecia uma dessas pessoas idosas para lhes fazer companhia, ele e alguns dos seus irmãos chamavam seus pais e ficavam todos, no mesmo lugar de sempre, jogando conversa fora.
Em diversas épocas do ano, sobretudo no verão, o mormaço era intenso na sua região e para eles aproveitarem melhor o tempo que dispunham, muitas vezes ficavam ali, sentados num banco feito de madeira rústica, esfregando uma mão na outra, diante de uma fogueira acesa, montada preferencialmente no limite máximo do terreiro da casa.
Apesar de gostarem de ficar à noite jogando conversa fora não era tarefa fácil encontrar novos gravetos e/ou pequenos pedaços de madeira seca para formar uma fogueira nos momentos que precisavam se aquecer. Para isso era preciso que algum deles saísse à procura de novas achas, onde quer que fosse e isso evitaria que os olhos ardessem enquanto estivessem diante do fogo aceso, acaso tivesse de usar madeira verde ou molhada.
Segundo ele, o cumprimento daquele compromisso de cunho meramente lúdico ia se tornando cada vez mais difícil e cada dia que se passava era um verdadeiro tormento encontrar pedaços de madeiras prontos para queimar.
- A dificuldade era cada vez mais intensa, mas as estórias que nos eram contadas pelas pessoas mais velhas e muitas outras que nós inventávamos visando à matança do tempo tendiam compensar todo o sacrifício – confessou.
Por mais que ele tentasse disfarçar, era fácil notar que aquele seu comentário era revestido de um sentimento de muita nostalgia.
Disse, ainda, que certa vez, um senhor idoso que morava nos arredores da sua comunidade ao vê-los sentados em frente a uma dessas fogueiras ardendo quis participar de parte daquele convívio familiar e acabou contando-lhe uma estória muito interessante que ainda hoje guarda na memória.
Aquele senhor disse que desde pequeno nunca gostou de ver as queimadas que os homens do campo faziam para limpar os terrenos anteriormente roçados, pois com elas também eram brutalmente destruídos boa parte da vegetação rasteira, pequenos animais e uma gama imensa de insetos indefesos. E quando ele se referia às grandes queimadas, que ainda hoje são feitas intencionalmente nas grandes florestas, ele sentia até calafrio e, na maioria das vezes, ficava com os olhos marejando de tanta tristeza.
Era entre a emoção de uma lenda contada e o calor da lenha queimada que Jô Formigon e os seus inúmeros irmãos iam levando a vida. E mais dias menos dias lá estavam eles, naquelas tardinhas, quase ao anoitecer, deveras ansiosos, procurando novas achas para a próxima fogueira.
De tanto procurá-las nos minguados bosques e áreas de mananciais de sua região eles acabavam encontrando um pouco delas, mas nem sempre em quantidade suficiente para fazer outra fogueira igual à do dia anterior. Todavia, para compensar o sacrifício daquela busca cada vez mais infrutífera, novos momentos de convivência familiar seriam vivenciados e novas estórias apreendidas e, com certeza, uma boa parte delas seria repassada para as novas gerações.