Selva de Pedra
SELVA DE PEDRA
Adriana Pueblo
- Já são 8:30 e nada daquele cabra safado do Luciano chegar – bufou Severino enquanto pensava e olhava no relógio a cada 5 minutos.
Severino havia chegado em São Paulo no ano de 1995. Desde então, nunca mais conseguiu voltar nem para rever a família. Havia deixado muita coisa preciosa lá em Pernambuco, inclusive sua esposa, filhos e sua mãe, mas o dinheiro que ganhava, mal dava para pagar a pensão em que morava e a sua alimentação. Mesmo assim ainda conseguia guardar um pouco para quando pudesse trazê-los para São Paulo. Mas demorou muito e após três anos aqui, recebeu o recado de seu irmão que a vadia da sua mulher tava era de graça com um safado lá de dezoito anos.
Pensou varias vezes em pegar todo dinheiro que havia guardado só para ia lá matar os dois e mandar pros quintos dos infernos, mas desistiu, não valia a pena, afinal o tempo que passou aqui não tinha sido nenhum santo. Com tanta mulherada dando sopa em São Paulo, ele que não havia de ficar sozinho.
Severino balançou a cabeça para afastar esses pensamentos maldito, afinal passado é passado. Olhou mais uma vez o relógio, nada!
Tinha conseguido uma consulta de graça para seu compadre que tinha chegado de Pernambuco fazia um ano. Só que esse cabra foi mais esperto e tratou logo de trazer a mulher junto – pensou Severino.
Depois de tanto tempo trabalhando de porteiro, tinha feito muitas amizades e das boas. Até medico agora era seu amigo e foi com um deles que conseguiu a consulta para o compadre Luciano. Havia contado ao medico que seu compadre tinha chegado a pouco de fora e que necessitava urgente de um medico dos bons e notou que quando falou isso o medico se encheu todo. Conseguiu a consulta e agora o cabra tava era atrasado.
Olhou mais uma vez para Rua 7 de Abril onde trabalhava e viu seu compadre correndo feito louco ao dobrar a Rua Marconi.
- Ta atrasado infeliz! Onde diabos tu tava metido homi? – esbravejou Severino.
- Desculpa compadre, pelo amor de Deus me desculpa – suplicou Luciano - eu tava dando vorta e mais vorta nesses quadrados e nunca que achava essa rua. Arrodiei tudinho isso aqui, eu juro, mas só agora que me achei. Desculpa eu...
- Ta bom, ta bom, e vê se sobe logo e não me faz vergonha infeliz ou eu te mato! – gritou Severino.
Luciano subiu os oito andares que o separava da portaria ao consultório e tudo pelas escadas. Já tinha ouvido falar daquela caixa de gaiola que subia e descia os andar, mas nem pensar que ia testar esse troço hoje. Tava era atrasado e não podia deixar o doutô esperando – pensou ele.
Assim que conseguiu chegar na sala, deu seu nome para a recepcionista e foi se sentar para aguardar sua vez.
Ele começou a pensar preocupado em como deveria estar Angelinha sua esposa. Tinha largado ela na rua Barão de Itapetininga para comprar umas roupas para as crianças, mas não sabia se ela ia acabar se perdendo. Tomara que não demore logo – pensou.
Nem tinha terminado de concluir os pensamentos quando viu o moço saindo do consultório e chamando:
- Luciano Alves Clemente!
Tratou de se levantar logo e foi atrás do moço. Viu quando ele se dirigiu para aquela gaiola, agora tava era perdido – pensou ele – diacho. Mas já que o homi tinha chamado, ele tinha que obedecer e segui-lo.
Viu quando o moço entrou na gaiola e entrou também. O troço era por demais de tenebroso e mesmo vivendo no cangaço nunca tinha sentido tanto medo. Isso só podia ser coisa desses paulistas mesmo de cidade grande. Assim que chegaram ao térreo, Luciano passou correndo por Severino em direção ao moço que já estava com o pé na rua.
- O bicho sortudo – gritou Severino – tu não faz idéia da quantidade de gente que passa aqui e demora um tempão para passar com o doutô e ainda paga uma fortuna e tu já passou? Bicho de sorte!
- Não compadre, nada disso, é que o doutô me chamou, mas ta indo lá fora e eu to seguindo o cabra, acho que vai fazer exame em outro lugar – explicou Luciano já saindo em disparada.
- Ochê, tu ta doido? Ta pra mais de 10 anos que trabalho aqui e nunca vi disso acontecer e nunca vi esse doutô também – bradou Severino desconfiado.
Mas Luciano nem quis escutar, saiu pela Rua Sete de abril em disparada atrás do homem.
Assim que percebeu que estava sendo seguido, o moço parou e olhou bravo para Luciano.
- Ta me seguindo? – disse ele.
- Ora veja – exclamou ele – o senhor sai do consultório, me chama, entra naquela gaiola do cão, sai em disparada pra rua, nem me diz aonde vamos e ainda pergunta se to te seguindo? - falou Luciano.
- Oh, me Deus! O senhor é doido? Ta falando serio mesmo?
O moço vendo a confusão na cara de dele tratou logo de explicar, pois estava atrasado para seus compromissos.
- Eu estava passando em consulta e quando saí, o médico pediu que eu chamasse o próximo paciente. Era para você entrar no consultório e não me seguir.
Luciano fechou o olho e sentiu seu rosto queimar.
- Bicho burro, bicho burro! – praguejou ele.
Logo se lembrou de Severino, esse sim ia matá-lo. Tanto trabalho para agora ele fazer uma vergonha dessas.
- Raio de São Paulo da peste, raio, raio, raio! Oh cidade que engole a gente, se eu não aprender loguinho como se vive aqui, essa cidade vai é me comer vivo!
- Oh, diacho!
Luciano baixou a cabeça e tratou de ir para Barão de Itapetininga encontrar Angelinha, antes que ela também fosse engolida nessa verdadeira Selva de Pedra.
Com o Severino? Acertava as contas com ele depois...