Natal elevado à quarta potência

Em uma noite de dezembro de 1987, um corpo luminoso cortou os céus da serra do Sino, riscando o vale do Paraíba em direção às terras ricas do Alagamar. Agricultores que conversavam nos terreiros da serra do Pirauá, planejando ocupar as outrora fecundas e produtivas fazendas, viram perfeitamente o astro, ou disco voador. A maioria achou que era a estrela cadente. Fingiram que não sentiram a forte sensação de entrar em um universo paralelo, saindo daquele mundo cotidiano de agruras, de falta de feijão e farinha. Retomaram a conversa em algum ponto do passado, porque o corpo luminoso deixou a impressão de hipnose, levou aquelas cabeças broncas a um mundo borbulhante de novidades e beleza nunca experimentada. Sabiam todos que não havia explicação, mas no íntimo sentiam que outro universo fez contato.

No saguão do hospital, naquela hora, dona Joaninha procurava força e sabedoria necessária para enfrentar uma situação de dor e desalento. Seu Cipriano, marido de dona Joaninha, tinha medos iguais. No entanto, fazia gestos mansos para não assustar a mulher ou confundir ainda mais aquele ser tão frágil. Falava baixinho. Bateu o pó das estradas a vida toda, vendendo mangaio nas feiras. Nada arrumou de seu, a não ser o respeito da esposa e a esperança de ser pai. E era naquela hora mesmo que estava prestes a ser pai. A repercussão disso na vida pessoal daquele casal pobre já era potencialmente devastadora. Não tinham casa, nem esperança de arrumar alimento para o rebento que estava às vésperas de vir ao mundo. Moravam de favor em um quartinho no subúrbio.

Homens de pouca fé rezaram quando passou o corpo luminoso. Seu Cipriano, rapaz do interior e muito devoto, rezou com a intimidade dos que conhecem os poderes infinitos da Natureza. Vagou sem rumo certo até a porta do hospital, quando passou a estrela. Dali em diante o lume o orientou. Os astros não são guias errantes. Eles apontam o caminho para quem sabe ler sua orientação de outras paragens. Seu Cipriano viu aquela centelha e soube no mesmo instante que o milagre visitaria aquelas vidas severinas.

Dona Joaninha entrou em trabalhos de parto à meia noite. Apresentava o rosto resplandescente. Passou o medo e a dor. E então veio a surpresa para o médico, enfermeira e os pais: nasceram quatro bebês. Chegaram como se viessem num asteróide que gravita nos espaços interestelares. Nessa noite mesmo, toda a cidadezinha soube do fenômeno. Sentado no saguão, seu Cipriano começou a pensar a respeito da vida, em como ela pode parecer tão sem lógica, tão malvada para pessoas carentes como ele e sua família. Nem percebeu que era personagem de uma histórica grandiosa, era pai de quadrigêmeos, nascidos em perfeitas condições de saúde. Aos poucos, recebendo as pessoas que visitavam os rebentos, ele foi tendo uma espécie de compreensão psíquica no cérebro, extraindo algo de si mesmo que ele não esperava, não sabia que era capaz. E lembrou da estrela.

E então saiu para a rua, caminhando em direção das luzes fortes que iluminavam o grande pátio da estação de trens. Na contraluz, aquela figura esguia lembrou Carlitos nos finais das histórias nos filmes mudos.

Os parágrafos acima escrevi como prólogo de um conto baseado na história real dos quadrigêmeos que nasceram em Itabaiana. Nunca terminei o conto. No meu enredo, os quatro se dividiriam: dois iriam trabalhar para as forças do bem e o outro time vestiria a camisa do mal, dentro do velho maniqueísmo tão ao gosto das novelas populares. Seria o culto do contraste, o Céu e o Inferno, Deus e o Diabo, para no fim demonstrar que o Mal faz parte da natureza humana “como o Sol do sistema solar”, conforme a comparação de Freud.

Na vida real, os quadrigêmeos ganharam os espaços midiáticos da época, servindo até de tema para cronistas ilustres como Luiz Augusto Crispim. “Passam bem os quadrigêmeos nascidos ontem na cidade de Itabaiana”, informava na primeira página o jornal “O Norte”. Não houve consulta de pré-natal, que aquilo era luxo que não chegava para as pobres parturientes de Itabaiana. Até hoje é assim. Os meninos Adriano, Alessandro, Ana Paula e Ana Cristina nasceram sem ajuda de fertilização. Em duas semanas receberam alta, viraram celebridade. Cada bebê usava oito fraldas por dia. O prefeito logo nomeou um comitê municipal para cuidar dos quatro gêmeos paridos no hospital da cidade, coisa nunca acontecida antes. Não existe calamidade que dure mais do que quinze dias.

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Fábio Mozart
Enviado por Fábio Mozart em 15/12/2009
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