Alô, mãe?

- Oi mãe...

- Oi Ana! Vi que você me ligou, mas eu tava no curso resolvendo minha monografia, aliás ainda estou aqui, acho que vamos terminar às dez.

- Tá tudo bem?

- Tá, mãe. Então quando chegar me liga, certo?

- Tá, tchau. Beijo

- Beijo.

É assim a minha mãe. Uma correria, uma andança em passos rápidos sem fim; objetiva, curta, sincera. E nessa altura do campeonato chamado “vida”, arrancar um “beijo” dela ao final das ligações era um orgulho emotivo particular. Ela é assim: um furacão de força que eu demorei a compreender que deveria correr para alcançá-la, como agora corro sem mesmo perceber.

Lembro das risadas que ela dava quando eu terminava uma ligação com uma das amigas, que sempre foram “beijo, amiga”, “oi, amiga”, “jura, amiga?”. Mamãe dizia que eu era patricinha, e eu odiava ter que admitir. E assim me acostumei a conter o drama sentimental do pisciano, que era um tanto irritante aos ouvidos de ariano, embora soubesse que ao final de toda ligação o abraço da saudade sempre estivera - ainda que silencioso.

Minha mãe reclamava de mim, eu reclamava dela. E agora lamento por cada minuto que deixei de divertir-me com nossas confidências e detalhes sarcásticos. Eu me olho no espelho e vejo o seu reflexo inteiro por debaixo dos cabelos lisos e olhos pequenos que herdei de meu pai. A vejo na postura implicante e nervosa dos ombros, na quase impaciência em sequer contemplar a própria imagem por mais de um finito instante. Ficava sentada em sua cama sempre que ela ia a uma festa, adorando ser a conselheira fiel da composição para dar meu parecer de cada detalhe, “amarra o laço na esquerda” - como se a mera direção fosse capaz de apagar a intensidade daquela beleza irreal.

- Oi mãe! E aí, tá em casa?

- Cheguei, a aula demorou, alguns alunos atrasaram cheios de dúvidas iguais. Eu tava cansada, ainda tinha que ir no supermercado porque a geladeira está vazia há dias. Seu pai teve que viajar, foi pra um seminário, e eu tenho que pegar a pequena na escola manhã e noite e...

E você, como está, tudo bem?

- Tudo mãe, nada de entrevistas e muitas novidades.

- Han, falei com seu avô, ele vai falar com o secretário da faculdade que é filho do seu Guilherme, o vizinho, e te liga pra dizer. Você precisa logo resolver esse documento, não pode deixar passar o prazo.

- Vou, mãe. Queria te falar... Ontem vi o Gustavo. Na praia.

- Foi? Falou com ele?

- Falei. Na verdade marcamos de ir a praia juntos, porque eu bebi um pouco ontem e liguei pra ele. Ele não atendeu – disse que estava dormindo, sei, mas me ligou de manhã.

- Ai, Ana...

- Mãe, eu fiquei besta pra ele de novo. Ele tá mais magro, sabe, bem mais magro e com uma tatuagem feia que não existia no braço. Mas estava lindo, sabe? Quando até pelo avesso você acha alguém lindo?

- Ana, só você é linda pelo avesso, mais ninguém. Esse menino nem te merece, ainda tá magrelo - credo, você cheia de carne passeando do lado de uma caveira?!

- Eu sei, mãe, é que não sei o que que é que eu sinto quando o vejo. Me ligou hoje, todo fofinho me chamando pra ir ao cinema amanhã. Disse que poderíamos jantar depois num restaurante japonês que inaugurou.

- Olha, então deixa ele se aproximar de repente. Mas vá com calma, não crie imediatamente expectativas demais, deixe que aos poucos a historia incie novamente. De repente acontece diferente, você estão mais maduros para não pecarem o mesmo pecado. De repente dá certo, Ana, você só tem que ter calma.

...mas umas horas depois eu lembrei da semana que passei chorando feito chuva, fiquei brava e mandei uma mensagem dizendo que tinha compromisso. Agora tô arrependida, mãe, o que eu faço?

Eu sabia o que fazer: assumir os riscos, ter paciência e deixar que acontecesse. Sabia que ela diria isso, com a autêntica semelhança genética comportamental, mas de uma forma engraçada me sentia completamente segura pela afirmação de sua voz, como se minha própria consciência me garantisse a firmeza de atitude. Herança materna, acho que era isso mesmo.