AMANHECER ….
Não conseguia dormir e alguma coisa me incomodava. Tentei pegar no sono experimentando várias posições na cama e meus dois travesseiros não tinham a menor intensão de cooperar. Resultado, outra noite de insônia.
Não me considero um desses librianos super sensíveis que se chateiam e se melindram por qualquer coisa. Até sei administrar bem as contrariedades mas tem certas coisas que escuto, que fico sabendo, que me incomodam muito e levam algum tempo para para serem despachadas pela poeira do esquecimento.
Não quero dizer com isso que guardo mágoas ou rancores, em absoluto. A verdade é que sendo insensível e imperturbável para muitas coisas, tem outras que me atingem como se fossem um raio.
Principalmente quando são ditas por quem eu gosto, tenho estima, confio e tenho fortes sentimentos. Se é algum amigo urso, falso ou mesmo os inimigos que me agridem com palavras fico completamente alheio e indiferente e não dou nenhuma importância ao que disserem.
Mas quando são palavras ditas por quem tem um lugar cativo no meu coração, isso me machuca muito e foi com esse estado de espírito que fui para minha varanda esperar o dia nascer, ver o espetáculo da chegada maravilhosa do sol , velho companheiro que todas as manhãs caprichosamente entra sem a menor cerimonia pela minha janela.
Pela hora o silêncio era absoluto, não se ouvia nem um simples miado ou a voz da brisa e o interessante é que muitas vezes gosto de estar rodeado pelo silêncio absoluto.
Parece que meu espirito se transforma e viaja para outros lugares, a maioria deles tranquilos, aconchegantes, lindos.
Nesse amanhecer eu fechei os olhos e procurei trazer para minhas lembranças um passeio que fiz certa vez a um sitio que tinha um belíssimo roseiral. Podem não acreditar mas minha imaginação estava tão aguçada, o silêncio era tão inspirador que consegui sentir o perfume doce e cálido daquelas rosas.
Eu adoro flores, particularmente as rosas, preferencialmente as vermelhas e vieram à tona doces lembranças e como me senti deslumbrado no meio daquele roseiral. Não resistindo a tentação lembro-me perfeitamente de ter colhido uma daquelas rosas, a que achei mais perfumada e bonita.
Realmente aquele vermelho, aquele perfume eram simplesmente embriagadores. Estava tão feliz e distraído que não percebi que aquela rosa tinha um enorme e pontiagudo espinho e um pequeno corte foi inevitável.
Por alguns segundos fiquei olhando para o sangue que escorria timidamente e o difícil naquele momento foi não confundir o vermelho das pétalas com o do sangue que escorria.
Ainda na minha varanda abri os olhos e fiquei a imaginar porque as rosas têm espinhos . Não seriam mais lindas se fossem só rosas ? Entretanto a Natureza é sábia e certamente os espinhos são necessários não só nas flores como nas nossas vidas.
Ainda refletindo e no aguardo dos primeiros raios do sol, olhei para as últimas estrelas que se despediam e procurei respostas sobre o real motivo que espinhos surgem nas nossas vidas e nos nossos caminhos. Cheguei a conclusão de que espinhos, assim como as dores e as decepções são absolutamente necessários para nossa formação moral e espiritual.
Continuando a me lembrar das rosas, parei um instante para tentar desenhá-las no meu pensamento sem que em nenhuma delas houvessem espinhos. Não seriam rosas, seriam simples flores e das mais comuns.
Assim são nossas vidas. Espinhos vêm , são cravados no nosso peito e só com muita paciência e tolerância conseguimos retirá-los. Outros espinhos virão com certeza mas, o que fazer se eles fazem parte dos nossos destinos ?
Ao longe, pela claridade que suavemente aumentava pude perceber os primeiros raios do sol. O ar fresco da manhã tocou minhas narinas e o silêncio continuava.
Súbito, senti uma paz interior muito grande. Me deu a impressão de que a angústia estava passando, o coração batia mais lentamente e então me levantei e abri os braços, como se estivesse pronto a receber aquele carinhoso abraço que o sol me dava todos os dias.
Fiquei ainda algum tempo sentado na minha varanda observando a claridade que se acentuava e já ouvindo alguns sons. O primeiro deles foi o da buzina do padeiro, aliás, uma buzina muito chata e desafinada. Entretanto nessa manhã, o som daquela buzina me pareceu muito mais agradável.
Olhei para os lados e vi duas borboletas que voavam em círculos. Pareciam um casal de borboletas namoradas e com o reflexo do sol nas suas asas ambas pareciam muito mais lindas.
Observei também os primeiros pássaros que passavam em bandos e até pude ver o preguiçoso gato da vizinha que saía do seu aconchego para dar as suas primeiras voltas pelas redondezas . Sinceramente não sabia que gatos acordavam tão cedo.
Estava feliz, sereno, muito sereno e nesse estado, nessa condição e com um pequeno sorriso nos lábios percebi que o sono estava de volta.
Não fiz cerimônia e fui para o meu quarto. Consegui me entender como meus travesseiros e dormi um sono profundo. Nem me lembro se sonhei com alguém ou com alguma coisa.
O que sei é que acordei muito melhor, muito mais bem disposto e na certeza de que, a julgar pelo que o amanhecer me proporcionara, meu dia seria maravilhoso.......
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(.....imagem google.....)