O boteco

Encontro com o amigo Caio. Embora ancorado em Niterói, melhor dizendo na Vila Real da Praia Grande, estou em São Paulo, que conheço muito mal.

- Vamos ao Boteco?

- Mas aquilo não é ficção, Caio?

- Ficção nada. Ele existe e aproveitei tudo para servir aos nossos propósitos.

- O Boteco é real?

- Vamos lá. Vai ver com os próprios olhos.

Fomos. Numa rua de movimento regular, onde os automóveis têm limite rigoroso de velocidade para não incomodar os pedestres, lá está, colunas de mármore branco, limpo, asseado, balcão amplo. Quitutes que ao olhar, dão água na boca. Bolinho de bacalhau, seco, nem parece que foi frito. Empada de palmito com camarão, dizem a melhor da cidade.

Na parede, fotografias de velhos e conhecidos mestres da literatura. Muitos: Cecília, Rosa, Ubaldo, Hemingway, Lobato... São tantas!

Mesas e cadeiras de vime. As mesas têm um tampo de mármore também, mas a alvura resplandece. O segredo é revelado, e não vou dizer qual é. Mas entra Coca-Cola, como em quase todos os bares.

Caio pede uma batida. Lima-da-pérsia, com vodca. Deliciosa, melhor não poderia. Pergunto como é feita e a explicação não deixa dúvidas. Basta esmagar com um pilão, em copo forte, pedaços longitudinais da fruta, com pouco açúcar. Depois, vodca. Dois cálices pequenos, e para completar, muito gelo moído.

A conversa corre solta. Política é misturada com literatura, com a atual situação que estamos passando. A segunda batida é servida; não percebi o gesto que Caio fez ao rapaz do balcão, que arrisca suas poesias.

Aparece uma figura barbuda. Nada desconhecida, mas não identificada no momento. Olha o recinto e se dirige a nós. Falando impecável espanhol, pede licença para sentar-se conosco. Permitimos, claro. Traduzo o que falou.

- Conheço o Boteco. Está famoso. Que bebida é essa?

- Batida de lima-da-pérsia – e vejo Caio fazendo um sinal. Estava pedindo que fosse servida mais uma, que veio imediatamente.

Nosso convidado bebeu com gosto.

- Deliciosa!

E tomou quase que num gole, a primeira. As outras seriam degustadas.

- Tem com cachaça?

Em pouco tempo o copo estava na mesa do nosso nem tão estranho companheiro. Ele olhava todas as fotos na parede. Numa delas, parou bom tempo. Depois de examinar muito a foto do homem barbado, forte e com uma expressão muito firme, a fotografia de Hemingway, não se conteve.

- Foi um tempo lindo. Tenho saudades.

Jorge Cortás Sader Filho
Enviado por Jorge Cortás Sader Filho em 13/12/2009
Código do texto: T1975912
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