Fugindo do Inferno!

Fugindo do inferno!

(Theo Padilha)

Corria o ano de 1969. Nossa pequena Joaquim, sempre naquela vidinha. Não havia novidades. O dono do bar Bonamigo era o Juvenil, um sujeito muito bacana. Nós íamos sempre lá tomar uns umas biritas, jogar conversa fora, ouvir as meias músicas de Zé Cravo. Este nunca terminava suas músicas. Às vezes tinha um baile no Clube União. Um filme bom no Cine Caiçara. E ali nós ficávamos até fechar o bar. E normalmente ele fechava muito tarde.

Certa noite dessas surgiu uma boa fofoca.

— Escuta aqui, Tião Medonho! Fiquei sabendo que o velho Nenê Veiga, trouxe umas meninas novas lá para o prédio! – gritou o Juvenil no meio daquela bagunça que já tinha virado o seu bar.

Eu não pensei duas vezes. Convidei o falecido Amauri Bento, o Luís Vertuga e até o Juvenil, que já queria fechar o boteco e fomos para lá, ver a cara das novas inquilinas do Nenê Veiga.

Quando chegamos próximo da construção que ficava a alguns metros da praça. Uma quadra para baixo. Já estava tudo fechado. Então resolvemos pular o muro. O muro que ficava para o lado da rua era baixinho. Aquela construção tinha sido um açougue do pai do Pedro Bento e o Amauri Bento conhecia todos os detalhes da casa.

— Eu entro na frente e vocês vêm depois! – sussurrou o Amauri, para que ninguém ouvisse a conversa.

Todos nós fizemos um positivo e o Amauri não teve dificuldades em pular o murinho, apesar de o coitado carregar uma saliência nas costas, fruto de uma má operação de um dos pulmões quando era criancinha. Suas costas pareciam as do Quasimodo, personagem de Victor Hugo, no livro “O Corcunda de Notre-Dame”. Mas ele não tinha complexo. Dançava muito bem. E se vestia grã-finamente. Era um rapaz “bem apessoado”. Diferente do personagem do poeta francês.

E entramos, um por um, naquela escuridão. Num silêncio total. Como nos filmes de guerra. Só nos faltou passar lama na cara para completar a camuflagem. Uma réstia de luz aparecia na janela das meninas. Estava muito frio. Elas ainda conversavam animadamente.

— Vamos bater de leve na porta, nada de gritar! – disse o Juvenil, com sua voz da experiência.

— Nossa, elas são quatro, uma para cada um! - sussurrou o Vertuga.

Depois de pular o muro, tínhamos que rodear a casa cerca de vinte metros para encontrar a porta onde iríamos bater. Já era quase uma hora da manhã. Mas, infelizmente, ao dobrar o canto da casa, demos de cara com o Nenê Veiga.

— Ah! Molecada safada! – gritou o velhinho com uma faca que brilhou na sua mão, pelo reflexo da réstia de luz. Ele havia percebido nossa chegada e estava nos esperando de tocaia.

O Amauri pulou um muro de dois metros de altura dos fundos da casa. Logo em seguida todos pularam. Eu, não podendo pular, corri para o portão de ferro que dava para a rua. O portão estava fechado. Eu fiquei sem saída. O velho Nenê vindo na minha direção. Tudo escuro demais. Uma noite sem lua.

— Agora você vai ver o que é invadir propriedade alheia, rapaz!

— Não “seu” Nenê, pare com isso pelo amor de Deus! – pedi quase chorando...

Àquela hora, tudo estava perdido. Acho que o velho ia me matar. Estava tudo escuro. Eu só ouvia seus vitupérios. Abaixei-me e procurei qualquer objeto no chão. Achei um tijolo.

— Por favor, “seu” Nenê! Eu sou amigo do Arnoldo, seu filho, não me mate!

Nisso, ouvi uma voz grossa vindo da rua. Era um milagre de São Sebastião.

— Pare com isso, Nenê! Aqui é a polícia! – O velho parou...

Eu aproveitei o momento e joguei o tijolo na direção do velho e consegui pular o muro. Dei graças a Deus à inteligência do meu amigo, Luís Vertuga, que tivera essa brilhante idéia de dizer que era a polícia. Foi o que salvou a minha vida.

©Copyright by Theo Padilha™, Joaquim Távora, 11 de dezembro de 2009.

Theo Padilha
Enviado por Theo Padilha em 13/12/2009
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