CRÔNICAS DE NATAL - III

Mais uma vez ela retirou o pacote do armário, já encardido depois de tanto uso, e se pôs a montar a árvore com todo carinho. Primeiro a base onde encaixou a haste principal, depois foi colocando galho por galho formando uma simetria verde e dourada onde os enfeites natalinos foram sendo pendurados com maestria e perfeição. A casa estava vazia, como sempre, apenas as lembranças teimavam em bater na porta que nunca estava totalmente fechada, afinal, porque deixar momentos alegres, mesmo que distantes, sempre do lado de fora? Não! Ela não agia assim. Se os pensamentos queriam vir para se divertir com ela que viessem; e eles vinham chegando… um a um, nos seus passos lentos e certos de encontrarem ali uma boa e agradável companhia.

Quantos anos mesmo já fazia que ela montava sozinha a arvore de Natal? Não se lembrava mais, parou de contar os Natais há muito tempo; apenas os via chegar e partir; vinham sempre acompanhados de muita alegria e uma restia de nostalgia a temperar os momentos de saudade e solidão.

As lembranças estavam por alí, fazendo um círculo em volta da arvore já quase pronta, enquanto mãos firmes davam os últimos retoques nos detalhes finais. As lembranças eram muitas e colocavam nos lábios da velha senhora sorrisos disfarçados em nuvens brancas que flutuam e se transformam com o suave soprar das brisas matinais. O que se passa naquela cabeça grisalha é um ponto de interrogação até mesmo para o mais experiente dos videntes.

Finalmente tudo pronto, cada peça em seu devido lugar. Ela se senta confortavelmente na poltrona, estica o braço e apanha um porta retrato com a foto do marido, o companheiro de tantas décadas de alegrias e tristezas. Coloca o porta retrato a seu lado na poltrona, e, contemplando a arvore toda enfeitada com suas luzes piscando, diz: --Pronto querido. Podemos esperar mais um Natal.

Lá fora as sombras da noite descem devagar. Parecem respeitar quadro tão meigo e singelo. As lembranças se vão, os pensamentos se diluem no espaço da sala. A solidão é tão densa que quase dá pra pegar com as mãos, mas a velha senhora está feliz. Ninguém saberia dizer porque, mas sua expressão traz a paz tão procurada por todos os mortais.