Texto para um dia de confronto entre bonecas de ontem e de hoje
Alexandre Menezes
“Sentada na calçada de canudo e canequinha...” A linda garota, que mais parecia uma bonequinha, enchia a cara de refrigerante barato aliado à cachaça industrializada que o batizava. Assim ele viu.
Nova. Talvez fosse possível que a caneca seja a mesma um dia utilizada, por sua mãe, para misturar sabão, água, sopro, sorriso e vento. Só que, naquele momento, sua boca paria palavras nada laváveis e algumas, quando laváveis, ditas novas. Seu corpo cheirava como os lábios das moças de bordéis, em noites de gala, sem o aroma de hortelã.
“De roupinha esporte ela brinca e ensina você a patinar...” Seus passos cambaleantes mais pareciam de uma iniciante na patinação. Lembrava uma boneca, mas a jovem já brincava como e com os adultos. Entre quedas e gargalhadas, recebia alegremente golpes de dedos e membros dos seus ditos “amiguinhos”. Diferente do criador do brinquedo, ela sequer importava com os necessários acessórios protetores mesmo tendo joelhos e mãos no concreto.
Por perto, algumas pessoas observavam e iam. Por tudo que passou ou tocou a sua garganta, foi normal vê-la regurgitar desamparada, sozinha. Tinha um cheiro diferente do naturalmente esperado. Não era intolerância à lactose ou o alerta dado por uma gofada. Tinha o cheiro amargo dos vícios e sujeiras da vida num engasgo sem mãe. Alguns tapas nas costas, cabeça colocada de lado, ligações para polícia e bombeiros.
Sentado no banco do carro viu a chegada do resgate e um filme passear pela mente. Não deveria ter mais que 16 anos. Idade sugerida por seu uniforme de escola de Ensino Médio e turma de segundo ano. Seu celular, ainda ligado, tocava ininterruptamente sua play list de funk carioca: as canções cantadas, encenadas e dançadas pelas tristes bonecas de carne, osso e sedução dos atuais dias. É o mundo “naquele jeito...”