CRÔNICAS DE NATAL - I

A música não saía de sua cabeça: “eu pensei que todo mundo fosse filho de papai Noel...” Enquanto andava pelas ruas tingidas de branco, salpicadas de neve na noite fria de Dezembro. Era véspera de Natal, logo as famílias estariam reunidas em torno de uma grande mesa trocando presentes e desejando felicidades, abraços e beijos acalorados nos filhos, pais, esposos, esposas, amigos... enfim!

Era noite de Natal. (Era noite de Natal).

As pedras da calçada debaixo da sola dos sapatos estavam frias e úmidas, a friagem subia pelas pernas e se distribuía pelo resto do corpo, fazendo tremer a matéria, a alma e o espírito. A música não calava... Agora lhe parecia que estava ainda mais alta, reverberando no cérebro cansado e infeliz: “eu pensei que todo mundo fosse filho de papai Noel...” A pouco mais de cinco minutos ele estava na presença de trinta e poucas crianças que não fariam parte daquela comemoração natalina; pelo menos não da mesma maneira que outras tantas espalhadas pelo mundo. Ele acabara de sair de uma casa que cuida de crianças abandonadas, crianças que a sociedade se esforça por esquecer, afinal quem quer saber de tristeza numa noite de tantas alegrias? Aqueles seres ali, com idades entre dois e oito anos, não têm parentes nem amigos; têm apenas a presença de almas voluntárias que doam parte de seu tempo para trazer um pouco de alegria e conforto, calor e humanidade aos parias que ainda nem sequer sabem o significado da triste palavra.

A noite parece chorar lágrimas de algodão.

Os olhos do homem que caminha pelas pedras frias da rua escura estão úmidos e estáticos, parecem olhar para dentro, olham para o passado distante quando ainda jovem fazia parte de um grupo parecido com aquele naquela mesma casa a muitos anos passados.

A realidade do presente se confunde com a realidade que o tempo deixou distante. Os momentos se completam e se anulam. A eternidade flui.

Caminhar se torna pesado a cada passo, mas caminhar é preciso. O homem se aproxima da ponte. Lá em baixo o rio gelado parece saber as respostas... A música não pára... A música não pára... Seu corpo flutua por um instante, leve como o vôo de um pássaro. Depois tudo é silêncio. Depois tudo é paz. Depois tudo é escuridão... A música não toca mais.

Não muito distante dali uma família se reúne em volta de uma mesa repleta de delícias e presentes cantando músicas de Natal. “noite feliz, noite feliz, oh Senhor, Deus de amor”

A água do rio não está mais fria.