Sem nexo...

Há situações na vida da gente que não servem pra nada além de nos fazer ver que ainda somos humanos.

A dor é uma delas. Num me vem com esse papo que a dor faz a gente crescer não que eu não engulo essa. A dor pra quem sente é a pior coisa do mundo, seja ela uma unha encravada, uma afta, ou a dor de um amor, e por falar nessa... ô dorzinha desgraçada de ruim.

Ela começa como um frio na barriga e vai se alastrando pelas pernas que se arrepiam e desce pelos pés que gelam, sobe também pelo peito fazendo palpitar o coração e causando uma pontada aguda e estridente que chega-se a ouvir de tão alto o seu grito.

Dor de amor era uma coisa da qual eu me lembrava vagamente da época dos meus quinze ou dezesseis anos, idade em que ainda não se tem os anticorpos para esse mal. Lembro-me de ter sentido uma dor assim, mas não lembrava de ter doído tanto, ou talvez até tivesse doído muito mas a minha fraca percepção não me permitia sentir com todos os sentidos como sinto agora... Hoje vejo a cor da dor, é um tom gris, pálido e sem brilho algum, como um dia nublado quando se olha pro céu e não se pode distinguir nada além de luzes distantes e fracas.

O cheiro da dor? Não existe porque dor sem choro não é dor de verdade, mesmo que o choro seja interno e se derrame pra dentro como uma cachoeira, sempre se chora de dor, e quando se chora o nariz sempre acaba entupido, e essa sensação de falta de cheiro é uma ausência terrível, como a de quem se perdeu.

E o gosto. È amargo, mas não é um amargo como jiló, é um amargo estranho, gosto de boca vazia, de beijo não dado, de lábios fechados, de falta de palavras pra expressar o que se sente. O pior gosto pra alguém tão falante como eu é esse, o gosto da dor.Um gosto que cala a gente.

Já o tato depende muito, se existe um colo amigo o tato pode ser até agradável, mas quando se está só, os braços se abraçam ao próprio corpo como um estranho que espera alguém no aeroporto sem saber como é, como segurar o vento, como comer mentira, como procurar as coisas na casa dos outros...nunca se encontra nada.

Estranho como as palavras se juntam facilmente mediante a dor, se essa infeliz serve pra alguma coisa é pra nos deixar mais lúcidos, mais acordados, mais gente.

O som dela é sempre de uma música que até ontem era a preferida e hoje se torna a pior melodia do mundo, engraçado isso, a dor tem o poder de transformar as coisas de uma forma rápida e instantânea, uma voz que se adorava ouvir se torna dolorida, quase insuportável.

Os olhos são sempre os que mais sofrem com a dor, porque ver dói, mais do que ouvir,mais que sentir, mais que tocar, ver dói demais, porque os olhos não conseguem disfarçar o que o coração sente, os meus olhos junto então olham pra trás porque é lá que você está.

Sei que esse texto não deve ter pé nem cabeça, mas é assim mesmo que a gente se sente quando se está só, sem pé...nem me lembre do pé...

Como dizia Mario Quintana: “ A mim me bastem os meus próprios ais, que a ninguém sua cruz é pequenina, por pior que seja a situação da China, os meus calos doem muito mais!”

O Mario sabia das coisas, porque pior que sentir essa dor é saber o quanto ela é estúpida e incompreensível a quem nunca sentiu.

Mas quem sentiu um dia, sabe muito bem o porque desse texto não ter nexo.É porque é assim mesmo, sem nexo o amor.

Gê Flor de Pitanga
Enviado por Gê Flor de Pitanga em 10/12/2009
Código do texto: T1970717
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