UMA CRÔNICA FÚNEBRE

Dois amigos, companheiros de trabalho de longos anos, cansados de pressões por resultados alheios e da espera por reconhecimento de resultados próprios abandonaram a empresa onde trabalhávamos e foram seguir a chamada carreira solo. Abriram duas funerárias em suas cidades de origem. O primeiro, deu-lhe um nome sugestivo: Funerária Vai com Deus; o segundo apesar do nome não ser tão comovente adotou uma forma insólita de captação de clientes. Passou a cumprimentar seus afetos com um sonoro “quando vai?” no lugar do tradicional “como vai”.

Um curioso símbolo dos tempos de rapidez: as propagandas dos serviços funerários. Deixar tudo prontinho antecipadamente, só faltando enterrar o morto para não atrapalhar o andamento da vida. Compre já o seu plano e não deixe transtornos para sua família, alem das dívidas ou heranças.

Um menino ensinando o avô a andar de bicicleta;

- Olha, Vô, eu vou te segurar, você vai pedalar e pronto! Pedala Vô, pedala!

- Ah, eu sabia...hahaha! diz o Avô, entusiasmado com o reencontro com a meninice.

Aí entra o locutor dizendo:

- Olha a vida lhe ensinando de novo! Funerária Bom Destino; garanta já o seu futuro. Estranho, não?

E que tal sofrer uma reparação estética digna de celebridade (???) antes de entrar no caixão? Uma funerária no Brasil possui serviços de acompanhamento do féretro numa limusine, serviços de eliminação de rugas e maquiagem para remover a palidez além de preenchimento do corpo com silicone no caso do defunto ter se tornado muito magrinho, tudo do mesmo jeito como se faz com um procedimento de plástica em vida. Há ainda tratamento de cabelo e manicure.

A morte é um conceito, segundo os especialistas, um evento quase festivo. Para legitimar já existe até a ASFUNÉRAS , uma associação de funerárias com status de entidade de classe. Imagino que toda essa pompa deve obrigar também aos frequentadores de velórios a gastarem uma fortuna com a apresentação. Imagine aparecer em mangas de camisa, calça jeans e tênis num lugar desses! Acho que nem o defunto vai receber bem.

Há um desafio enorme a ser vencido. Superarmos a tentação que a publicidade nos impõe o tempo todo em troca de pensamentos mais úteis do que adquirir coisas. Acho que não tem é sobrado tempo. Enquanto não se está trabalhando para garantir a sobrevivência, está se debatendo com as formas de gastar o seu dinheiro ou de ganhar mais para absorver tudo que é necessidade que se cria para a vida. Como se ela fosse acabar se você não adquirir isto ou aquilo. Então, nada mais justo que até na morte essa tentação lhe acompanhe. Em paz e na riqueza eterna. Ah, humanos!

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 10/12/2009
Código do texto: T1970093
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