Houve uma coisa chamada ética
HOUVE UMA COISA CHAMADA ÉTICA
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 09.12.2009)
Objetivamente, a situação é singela: perdendo para o Flamengo no Maracanã, o Grêmio tirava qualquer possibilidade de o Internacional levar para Porto Alegre o título do Brasileirão, mesmo que este ganhasse em casa do Santo André, potencialmente rebaixado, indiscutivelmente uma vitória mais que provável. De fato, o Inter aplicou 4 a 1 na equipe da Grande São Paulo; quando o jogo estava 2 a 0, e o Grêmio vencendo o Flamengo no Rio pela contagem mínima, torcedores colorados faziam o inimaginável: desfraldavam no Beira-Rio, agradecidos e eufóricos, camisas do arquirrival tricolor. No entanto, o Flamengo virou para 2 a 1, o título ficou em casa e o Internacional teve que se contentar com o vice.
Subjetivamente, o panorama vinha se desenhando de forma complexa. Os inimigos não mandam flores, já pontificava Pedro Bloch em 1951. No começo da semana, Duda Kroeff, presidente do Grêmio, declarou que “o Inter não pode nunca confiar no Grêmio, assim como o Grêmio nunca pode confiar no Inter”. Em sintonia com o chefe, o meio-campista Souza insinuou que os gaúchos poderiam entregar o jogo para não beneficiar o rival da província: acabou vetado para a partida pela diretoria do clube (por medida de moralidade?); no dia seguinte, alegou que foi “mal interpretado” pela imprensa.
Enquanto isso, na Internet os torcedores gremistas gritavam “Entrega! Entrega! Entrega!”. Nas arquibancadas, nos treinos, levantavam faixas: “Jogador gremista faz a vontade da torcida: entrega!” Ao longo da semana, os titulares foram caindo um a um: dores, cansaços, dispensas... No domingo, o que entrou em campo foi uma escalação de reservas e juniores. Até o técnico era interino.
A garotada do Grêmio, subitamente jogada numa vitrina monstruosa, lutou pra burro e dificultou a conquista rubro-negra. Segundo o volante Tulio, “nosso time não tinha entrosamento, muitos jogadores estavam fora de ritmo, mas saímos com a cabeça levantada e fizemos o máximo para manter a dignidade do campeonato”. Uma forma de entregar o jogo sem mandar o Rubinho deixar o Alemão ultrapassá-lo na derradeira curva da corrida. Como na Fórmula 1, há diversas maneiras, mais ou menos sutis, de manipular resultados. Incluindo as trocas de pneus.
Parece que predomina mesmo a lógica do cinismo, juntando o esporte à equação segundo a qual “no amor, na guerra e na política vale tudo”.
(Amilcar Neves é escritor de ficção e autor, entre outros, do livro "Dança de Fantasmas (contos de amor)", contos, L&PM Editores, Porto Alegre)