Trabalhar demais "dá barato"

Eis minha tese: trabalhar demais dá barato. Barato processual, no meu caso. Para piorar, à medida que você alcança o frenesi da nóia workaholic, mais coisas non-senses são atraídas em sua direção. Como? Já explico. Experimente passar o dia inteiro dentro de um Fórum. Nenhum problema, contanto que ele estivesse vazio. Ao contrário, está abarrotado de criaturas que conspiram para sua loucura: estagiários, advogados e funcionários públicos.

Nessa jornada forense nossa primeira missão como estagiário é não ser reconhecido. Se algum cartorário desconfiar que quiçá você seja apenas um estagiário, prepare-se para ser mal atendido. Você deve ser simpático, mas não muito. Sorrir, mas nem tanto. Não pode ser legal. Seja chato! Se você responder “Tudo bem” para a primeira informação dada pelo cartorário, você foi pego. Contra-argumente ao menos duas vezes antes de se dar por vencido. Ainda que sua argumentação soe inútil até mesmo para você. Mesmo que sejam perguntas retóricas, as faça. Sem exageros! Não rasge seu latim para solicitar uma cópia autenticada. Antes ser descoberto estagiário do que imbecil. Cuidado! Nunca irrite um funcionário público. O mau humor do funcionalismo público cumulado a chatice jurídica podem culminar no esquecimento do seu processo junto ao lixo.

Estagiários são os freaks do mundo jurídico. O quão freak um estagiário é pode ser definido como a medida diretamente proporcional à perversidade do chefe. Juntar criaturas aspirantes a xaropetas em um único lugar jamais daria certo. Essas criaturinhas confabulam entre si e, ouvindo suas conversas, só podemos deduzir que a maioria dos estagiários de Direito é esclerosada. Graças à nossa missão mesopotâmia de não sermos reconhecidos ostentamos ora uma postura séria e imponente, ora extravasamos nossa brisa processual.

Em um determinado momento você olha e vê um cara metido, fresco, chato, com a carinha mais talquinho na cueca possível. Em seguida, esse mesmo sujeito está dando cambalhotas e cantando “She’s a maniac” pelas escadas. A maioria de nós vive contando piadas, embora poucas delas tenham graça. Mas, após ler duzentos processos você dá risada de qualquer Adam Sandler.

Num desses dias de loucura eu já havia trabalhado muito; descido, subido, corrido, surtado. O elevador nunca aparecia. O ápice foi ter sido atropelada a sangue-frio por uma serventuária de justiça peso-pesado. Quando alguém esbarra acidentalmente em você, presume-se que a pessoa irá parar de andar. Ledo engano, pois a serventuária-sumô continuou andando e me arrastou com ela para alguns metros fora do meu trajeto, até, finalmente, notar a presença de uma estagiária espatifada junto ao chão. Mas nem tudo é um inferno. Uma das varas é conhecida como “a vara dos tiozões simpáticos”. Contrariando a maioria, você é muito bem atendido lá - se for mulher. Se for piriguete, leva o processo para casa.

No final do expediente, estava na Sala da OAB tentando arranjar uma DARF para solicitar cópias autenticadas de um processo. Após obtê-las, deveria correr até o banco que ficava localizado no segundo subsolo. Acontece que eram 15h55. Peguei a DARF e desatei a correr. No corredor, logo à esquerda, observei uma entrada. Não pensei duas vezes, virei com tudo. Dei de cara com o quadro de força. Disfarcei, mantive a pose e rebolei em cima do meu scarpin em marcha ré.

Encontrei a escada maldita e desci correndo, rindo sozinha do meu vexame, sem prestar muita atenção no que estava fazendo. Foi então que ouvi: “Ei, senhorita!” Voltei para ver se era comigo. “Onde a senhorita está indo?” Perguntou-me o segurança com um sorriso jocoso. Parei. Olhei. E então reparei que estava indo em direção ao terceiro subsolo. “Lá embaixo é a garagem, mocinha”.

Tentei não morrer de vergonha e caminhei em direção ao banco. Passei pelo segurança, me esforçando para não fazer cara de idiota, e de tão sem graça deixei cair todas as folhas da minha pasta no chão. Recolhi-as e corri em direção à porta giratória. TRÁ! Feito uma mosca. Dei dois passos para trás e tentei entrar novamente. TRÁ! Mosca de merda.

“O banco fechou, senhora”. Informou-me a segurança. Fiquei um bom tempo presa na porta giratória, recusando-me a ir embora, gesticulando de uma forma mui burlesca, implorando para que me deixassem entrar. A cena, obviamente, chamou a atenção das pessoas mais felizes do que eu que haviam conseguido entrar no banco. Mas nessa altura do campeonato eu já estava doidona.

Saindo do fórum, topei com aqueles indivíduos do “Free Hugs” espalhados na frente do MASP. Eu odeio abraçar estranhos. Quando pensei em desviar, fui abordada pela sósia do Supla me pedindo um cigarro. Ele falou algo como: “vamos morrer juntos, gata” e outras palavras distorcidas por alguma coisa que ele fumou, cheirou ou sabe Deus lá o que.

Eu já fui abordada por um palhaço na Avenida Paulista. Isso, palhaço de circo. Pergunto: algum palhaço já pediu cigarro para vocês? Para mim, duas vezes. O mesmo palhaço, em dias diferentes. Aquele palhaço me filava cigarro – e eu não estou sendo sovina.

Finalmente, retornei ao escritório, entreguei a documentação ao meu chefe e então ele me olhou com aquela cara de “Por que demorou tanto? Estava enrolando, né?Ai, ai. Estagiários...tsc tsc”

Superei. Comecei a fazer um relatório.Tive dúvida e fui perguntar ao meu chefe. Nota mental: nunca desconte suas frustrações sexuais no papel de relatórios, mesmo que seja rascunho. Você poderá ser burra o suficiente para se esquecer disto e mostrar ao seu chefe seus dotes artísticos. Ao menos sou uma boa desenhista.

Nanda Morelli
Enviado por Nanda Morelli em 09/12/2009
Reeditado em 09/12/2009
Código do texto: T1968219
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