Caixa de Pregos

Caixa de Pregos

Eu e meu pai estávamos fazendo um pequeno reparo em casa. Dessas coisas que normalmente se faz por habilidade própria ou por economia mesmo. Era um reparo simples numa torneira que há dias insistia em vazar, pingando incomodamente no quintal. Eu sempre muito curioso, tinha aprendido a fazer esse tipo de conserto só de acompanhá-lo nas vezes que ele tinha feito esse – e muitos outros – reparos em casa. Hoje sei trocar vaso sanitário, pregar banco de madeira, colar sola de sapato e consertar torneira com vazamento entre outras coisas. Mas, a melhor lição aconteceu nesse dia. A torneira vazava, como já disse, há dias e meu pai tentava repará-la para que parasse de pingar e de incomodar. Como já o tinha visto fazer isso, além do fato da torneira estar dando mais trabalho que o normal, pois era uma torneira bem velha e gasta, passei a me distrair com os pregos espalhados na caixa de ferramentas de meu pai.

Notei uma vez que, toda vez que precisava de um prego ou parafuso, tinha de procurar bastante na pequena bagunça que era o compartimento de pregos de sua caixa de ferramentas. Então, resolvi ali, aproveitando o tempo, separar os pregos por tamanho, tipo e característica, tentando facilitar a vida dele, na próxima vez que tivesse que fazer um conserto em casa.

Apanhei um punhado com uma das mãos e comecei a separar. Pequenos, grandes, novos, enferrujados, tortos, retos, enfim todos os tipos começaram a serem agrupados no chão ao lado da caixa. Eu já estava no terceiro punhado quando meu pai finalmente vencera a batalha contra a torneira teimosa e agora me observava sem que eu notasse.

Vi então que ele já tinha terminado e sorri. Pensei que ele fosse juntar todos os pregos que havia separado e fechar a sua caixa de ferramentas. Mas, para a minha surpresa ele começou a me ajudar. Apanhou um punhado de pregos também e começou a separá-los usando meus montinhos de pregos como guia. Começamos a conversar e a cada prego que ele separava, contava uma história, fazia uma referência ou comentava algo. Parecia que cada prego ali tinha uma história distinta e ele sabia cada uma de cor.

Perguntei então, se devia continuar a separar os enferrujados ou se ele iria jogá-los fora. Com um olhar de surpresa ele me questionou do porque de jogar pregos fora, pois mesmo os enferrujados têm seu uso. Falou que um prego enferrujado é como uma questão mal resolvida na vida da gente. Serve pra lembrar que a gente ainda tem um monte de coisas para fazer ou para aprender e ainda não fez. “Como assim?” perguntei visivelmente confuso. Meu pai sentou-se no chão e explicou. Lembrou de uma vez que eu tinha aprontado uma travessura e ele tinha me posto de castigo. Disse que eu tinha que aprender a não fazer mais a travessura, mas que a lição não era só essa. Falou que a lição, ali, era a da humildade e que eu não tinha pedido desculpas pelo que eu tinha feito e nem ele tinha tido a oportunidade de me dizer que já tinha me perdoado e sentia orgulho de eu não ter repetido meu erro.

Parei e refleti um pouco no que meu pai havia de dito, olhei-o nos olhos e perguntei tímido, se ele podia me desculpar por ter feito aquilo. Ele imediatamente disse que sim e reforçou sua satisfação por eu ter aprendido tão bem a lição.

Passamos então a separar cada prego e lembrar, para cada um, uma história. Nossos erros e acertos foram contados e recontados a cada prego separado. Os mais brilhantes lembravam histórias engraçadas ou emocionantes. Os mais velhos e tortos, os erros, as lutas e as dificuldades pelas quais já havíamos passado. Os maiores eram venturas jamais esquecidas. Os menores, tropeços. Os mais enferrujados, desafetos. Os compridos e finos, vitórias.

Separamos pregos e recontamos nossas historias um para o outro, pai e filho ali, sentados no chão do quintal, durante quase uma tarde inteira. Quando a caixa de pregos terminou, éramos não mais pai e filho, mas dois grandes amigos, que agora não tinham mágoa, tristeza ou dúvida dentro de cada um. Ou melhor, tinha sobrado algo sim. Apenas uma caixa de pregos, mas do lado de fora do coração.