Valerá dois milhões?
O pecado do dinheiro esta para o seu constante anseio como o ardente desejo erótico está para o objeto amado. De nada vale travestir seu nome, trocando-o por outra designação como “propina” ou demais licenciosidades do reino soberano do capital. Propina é dinheiro oculto nas roupas íntimas da sedução. O fato de ser comparável ao sangue em circulação aumenta o poder pessoal de quem armazena ambição, ou simplesmente herda o triunfo. Espécie de passagem bíblica de desafortunado para afortunado. Dimana do cifrão com “dois tracinhos” cortando um “S”, e que representava as duas Colunas de Hércules, hoje apenas com um traço; representando o indivíduo divinizado. O ganhador entre desenganados da “sorte” é a primeira cilada tão benquista que transforma zilhões de desatinados em esperançosos. Graça matematicamente montada pela farsa romântica do ouro brilhando num pote oculto revelado apenas aos iniciados.
Porém se as revistas e jornais, fartamente alimentados pelo Senhor Dinheiro, acreditam ser a impunidade a principal razão da corrupção, ledo engano. A imagem do homem recebendo grana explicitamente representa nada mais, nada menos do que o belo êxito, digno de orações. O dinheiro é fascinante concebendo-se o fato de que ladrões, esbulhadores, saqueadores existiram antes dessa notável criação. De nada valem expor corruptos com a mão na massa, eles são heróis inacabados de nosso deslumbramento. São representantes da ironia pecuniária. Não se combate dinheiro e vício com polícia ou leis dentro da hipótese aceita do jogo estabelecido pelo risco. Pura moral de cueca espartana. O “ai” comatoso da oração do lucro, incerteza e risco prevalecem. É incompreensível seu fluxo para que tudo possa ser simples e ilusório. Sugestionável e preciso.
A honestidade sem caraminguá é como a cultura espiritual sem dízimo milionário. Sem chelpa o homem fértil é rejeitado pela maioria feminina seguindo a idéia segura de patrocínio seguro da prole além da existência miserável. Disto a loucura humana pelo recurso vivo.
Pois aquele braço entregando altas somas é o braço do Senhor. O braço de todos nós, subjetivamente. Adoramos esse momento. Instante de total entrega como sublimamos o raro sono crepuscular. Fato que vem para atomizar o elemento humano, onde ele se desagrega num meio coerente pela direção imposta, e, ao mesmo tempo, frutifica da injusta administração graças à simplicidade da promessa com que nos escraviza a moeda.
O dinheiro jorra do cerne político. É estranho que a luta pela terra não siga o caminho da compra e venda, já que há tanto recurso para mobilidade das operações de ocupação que poderiam facilmente ir comprando e doando, ajeitando o povo de acordo com a generosidade dos apoiadores da causa. O dinheiro borbota dos meandros políticos como flores da cartola mágica. Borbota menos desta crônica para não dizer nenhum até agora. Raiva tem-se da crônica incapaz de conversão em milhão de reais com direito a fotografia na frente do gerente sequioso. Se alguém desejar posar comigo numa foto que nada diz, entregando-me o valor para saldar minha dívida, obtido para esforço de imprensa, sendo escorchados "legitimamente" os juros sobre juros; para que eu possa saldar a dívida, surpresa! Haverá restrições, mas nunca do povo. Toda a raiva recairá sobre quem impõe limites, refreia instintos, - instintos que jamais permitirão que os indivíduos possam se proteger financeiramente uns aos outros sem sair ferido, enquanto ileso.
Sete em cada dez brasileiros neste smomento fazem parte da sociedade dos endividados convidados ao consumo ou a promessa de futuro. São Naziazenos* em busca de parcos recursos para o leite dos filhos pequenos, além de maníacos consumistas. O mesmo caso de sempre, Dionélio. O mesmo caso de sempre...
É o dinheiro imune mediante a experimentação prática ou mecânica. A volição comum é procurar sacar da grande tesouraria alguns momentos de segurança dentro do processo de ser-estar, ir e vir. A tesouraria é a exterioridade do útero bizarro até que o homem intente lutar somente contra o crime de morte. Bastaria! Se o delito material não fosse mais penalizado do que o atentado contra a vida. E aí? Tudo o mais adula a dissipação, que é útil e execrada, pois do contrário o dinheiro se oculta nos sacos, nas bolsas, nos cofres suíços, e até nas crônicas bem intencionadas. Amém.
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* Referência ao grande escritor Dionélio Machado, precisamente em “Os Ratos”.