DAS MINHAS CRÔNICAS QUASE SURREAIS, A BRUXA QUE PERDEU O NARIZ ADUNCO
Eu estava escrevendo um conto infantil; havia uma bruxa e muitas outras figuras tradicionais: duendes, gnomos, fantasmas... E os tempos mudaram: não era mais possível continuarem como antigamente, com as suas caras expostas, tais quais foram criadas; dava muito na cara que fariam o gênero e não haveria qualquer surpresa no final; as criancinhas já teriam manjado tudo e saberiam a quem temer, estando, portanto, prevenidas contra as maldades que viriam. Então, a Bruxa decidira disfarçar-se fazendo uma plástica no nariz...
Tudo ia de vento em popa em minha imaginação. As personagens tomavam corpo, escolhiam seus figurinos, ensaiavam seus gestos e falas diante de mim, adquiriam caráter e personalidade, se impunham diante dos quadros da história que nascia quando começaram as notícias na TV. Era outro Mensalão que vinha à tona e, apesar do teatro ser em Brasília, o cenário fora montado no Governo do Distrito Federal: Desfilaram diante dos meus olhos, patéticas e conhecidas figuras eleitas pelo voto popular, e empresários do ramo, numa procissão descarada de assalto ao erário público, realizando um movimento que, de tão repetitivo, causava-me náuseas e, para muitos outros cidadãos, na seqüência, percebi, causaram indignação, revolta e até ira, além de sarcasmo contra si mesmos pelo fato de se sentirem responsáveis por os terem eleitos, levando-os a encenarem a entrega de panetones, parodiando os gestos de esconderem maços de dinheiro em meias, bolsas, cuecas e, por fim, invadindo a Câmara.
Aquelas cenas se constituíram numa verdadeira desgraça para a minha mente no pleno processo criativo das minhas personagens infantis; os meus personagens começaram a se travestirem diante da minha imaginação, transformando-se em figuras perversas que zombavam de mim dando risadas sinistras, cínicas, e a minha Bruxa principal adquiriu a feição de outra mulher que se apresentava com um chapeuzinho vermelho na cabeça, trocava de perucas a toda a hora e se enchia de botox para mostrar-se mais jovem. Assustou-me quando a vi apanhar, por engano, de dentro da bolsa importada, uma granada em vez do espelhinho de retocar a maquiagem, disfarçando-se com um sorriso que, até então, nunca o apresentara em público.
Mas, o pior ainda estava por vir... Quando as cenas envolveram outro político importante no esquema e ele apareceu de relance e de perfil, numa entrevista relâmpago, falando em infâmia e armação contra si, um maldito e enorme nariz adunco insistia em mostrar-se no seu rosto atual como uma imagem pontilhada a revelar-lhe outra face, desfigurando para sempre em minha mente a figura da bruxa que eu queria criar para a minha historinha infantil: agora era ele que a tomava e passava a encenar o ato de disfarçar o próprio rosto em plásticas de boa aparência. A partir daí, ele e a mulher do chapeuzinho vermelho passaram a andar de braços dados pela minha história, dançando ciranda diante de mim e fazendo pouco caso do meu conto infantil, incorporando definitivamente os meus personagens e cantando em uníssono, em franca zombaria para com o seu criador:
-Ingênuo! Ingênuo! Ingênuo! - Gargalhando e fazendo galhofa como se eu fosse uma besta, um ignóbil e simplório que, inadvertidamente, por não conhecer adequadamente os homens (ou mulheres) que se apresentam (ou nos são apresentados pelos Partidos Políticos) diante das urnas, votou e elegeu um mau caráter. Ou o pior: eles estariam zombando de mim como um mau escritor de contos infantis...
Por mais que eu tenha tentado retomar o meu conto infantil, os meus novos personagens não me deixam continuar. Fazem coro: - Nada a temer, nada a temer, nada a temer – dizem, enquanto gargalham e zombam de mim como se eu não pudesse mais modificá-los ou simplesmente deletá-los do meu texto. Adquiriram vida própria e poder, se recriaram e agora querem e, quem sabe, mandarão em mim!
Oh, horror! Em quem foi que eu votei? Ou, melhor dizendo, que foi que eu criei?
Chico Steffanello.