Estamos despindo a terra

Quando passo pela estrada, vejo o extenso tapete seco exibindo um campo triste e solitário. A terra que antes abrigava milhares de pés de carnaúba deixa à mostra vegetação rasteira, mato de cor amarelada, em meio à terra que aos poucos vai se petrificando.

Nesse imenso mar de vazio, um pequeno gado pasta indiferente, vez ou outra abocanhando o mato ralo e espetado.

Imagino qual a razão do homem gostar de cortar árvores, de construir a todo instante desertos na natureza. Sem dó e piedade, ele se lança voraz a dissipar o sinônimo de beleza e de vida. Se formos tentar explicar tal razão na área da psicologia ou qualquer outra área da ciência que busca compreender o homem, eu não sei se a resposta seria satisfatória.

O próprio homem atualmente é um deserto por dentro. Possui na alma um imenso vazio. Não existem árvores em seu coração. Os pássaros há muito tempo não visitam o interior do homem, pois não encontram lugares para se abrigarem e fazerem seus ninhos. O interior dele se iguala ao imenso tapete seco que vislumbro quando passo todo dia pela estrada, a caminho do meu trabalho.

O homem quer espalhar à sua voltar, a imagem e a semelhança do seu interior. Lucros e mais lucros, dinheiro e mais dinheiro, progresso e mais progresso. Não interessam os rastros de destruição impostos à natureza, pois ele próprio, coitado, já é a personificação da desolação e do apocalipse. Preso à escravidão do poder, das guerras e da tecnologia a qualquer custo. Do ferro, aço e cimento substituindo incansavelmente o verde e a vida.

Ferro, aço e cimento traduzem bem a dureza do coração do homem moderno. Essa ânsia pelo vazio, pela nudez. O homem se despe de todos os seus sentimentos e assim vai, despindo sem o menor pudor a terra. Arranca toda a roupa dela, expondo-a ao vexame da nudez forçada, violentada. Não existe respeito pela coitada. Há o esquecimento de que ela é a geradora da vida e propiciadora dos alimentos. Infelizmente a ingratidão é o pagamento que se vem dando à matriarca.

Eu olho a imensidão de terra sem árvores, sem suas roupas, tão necessárias a ela tanto quanto a todo ser vivente. Tantas roupas arrancadas! Rasgadas e jogadas fora! Roupas das mais finas fabricações, originais, de variadas estampas e grifes. Roupas raras, que uma vez consumidas, não se encontrarão jamais tecidos de idêntica linha para fabricá-las novamente.

Qual a razão do homem despir a terra? Insistir em deixá-la sem a proteção de suas vestes, aberta a qualquer tipo de doença, maltratada pelo vento, pelo frio, pelo calor, pela enxurrada, pela dor e pelo medo. As árvores são as vestes da terra e é sua única proteção. Da mesma forma que o homem tem casa, apartamento, choupana, cabana, casebre, oca, viaduto ou qualquer outra coisa para se abrigar. A matriarca está ficando em situação pior que de qualquer mendigo nesses muitos espaços do mundo que existem.

Abaixo as serras elétricas! Abaixo os machados! Abaixo as queimadas!

Não quero continuar a sentir na alma a desolação de um deserto sem vida e sem cor. Não continuar a contemplar triste e impotente a pele petrificada da terra. Tornamos-nos tão vazios e desertos por dentro que, ao invés de transpormos para a nossa terra esse nada, deveríamos agir exatamente ao contrário. Deveríamos nos encher com o verde das árvores, nos povoarmos de imensas florestas e nos abastecermos de todos os animais que vivem nesse mundo.

Precisamos com urgência parar de despir a terra.

Sejamos todos nós plenos e cheios de vida: A terra e o homem.