Amores
Chuva fina, calçada estreita, frio razoável. Noite, tarde da noite.
A mulher de calças compridas e tênis escuros, andar firme e ligeiro, estava abrigada com um guarda-chuva, que impedia uma visão melhor do seu rosto. Pela hora, era uma temeridade o que estava fazendo.
O bairro era conhecido como perigoso. Mas os passos da mulher não mostravam indecisão, eram cada vez mais firmes. No ombro esquerdo, a alça da bolsa que carregava junto ao corpo. Nenhuma vez olhou para trás, pressentindo perigo ou verificando se estava sendo seguida.
A chuva abrandou muito, e ela fechou o incômodo objeto que a protegia e colocou na bolsa. Quando passava por lugar mais iluminado, os poucos que estavam na rua podiam perceber que era uma mulher bonita. Não esta beleza encontrada em cidades. Seu rosto era típico de gente do interior, traços marcantes. E o andar cada vez mais decidido.
Volta e meia apalpava a bolsa.
Os finos pingos d’água que caiam molhavam de leve sua face. Estava sem maquiagem e as gotas serviam para suavizar o calor que sentia por dentro.
Um carro-patrulha da polícia, passando pelo lugar, com três soldados dentro, mandou que parasse.
Não queriam documentos, nada disso. O cabo que a interpelou foi direto.
- Boa noite, senhora.
- Boa noite.
- Desculpe, mas a senhora sozinha neste lugar, a esta hora, está se arriscando.
- Se enganou. Não corro risco nenhum.
- Moça, eu sou policial, conheço o lugar. É perigoso.
- Se conhece o lugar conhece o Serjão.
- É o pior deles todos. Dizem que manda na área.
- Por pouco tempo, moço.
- Pouco tempo? Como sabe?
- Tenho certeza, é meu marido e vim aqui para matar o safado.
- Fala assim com um policial? Posso te prender.
- Pois prenda, mas primeiro deixa eu fazer meu serviço.
Os policiais conversaram entre eles. Muito estranho aquilo tudo. Mas o rosto da mulher mostrava que estava falando sério.
- E vai matar o Serjão por quê?
- Me traiu. Está com outra, depois de nove anos de casado.
Mais um cochicho entre os soldados. O cabo, que estava debruçado na janela do carro, abriu a porta. Foram-se embora.
A casa onde Serjão jogava cartas estava com a porta fechada. Ela bateu.
Quem atendeu foi o próprio, e antes que ela abrisse a boca, beijou-a, abraçou com firmeza, levou para o seu automóvel estacionado e fez a quase assassina chorar de prazer...