POR AMOR A UM INOCENTE
BLOG DE 15.12.2008

 

            Agitação total, gritaria geral: Argamassa! Argamassa! Tijolos! Rápido! O prazo da obra estava por terminar, e o construtor apavorado pela multa que teria de pagar se não cumprisse o termo.    A penalidade era grande, incidia sobre o valor total do prédio. O natal estava próximo... haveria de ser inaugurado...todas as unidades vendidas.

            De sua casa dava para o velhinho aposentado ouvir o charivari todo, parecia uma loucura. Ele criava um netinho órfão de sua filha, cujo marido a havia abandonado. O sacrifício era enorme, ganhava muito pouco, aposentara-se com um mísero salário-mínimo. O governo deste país nunca teve dó dos aposentados! Como comprar a lembrancinha  de natal para aquela criança tão magrinha, carinhosa e desprotegida da sorte!

            De repente veio-lhe uma ideia. Iria oferecer seus serviços ao construtor, pois certamente estava precisando de mais mão de obra. No dia em que se apresentara fora imediatamente contratado. Não tinha especialidade no ramo e em profissão alguma, semi-analfabeto; na construção, porém entrara como auxiliar, pois quanto mais a obra subia mais material se fazia necessário. Coube-lhe a tarefa de acionar tijolos para o andar superior porque as roldanas, sarilhos e elevadores já não davam conta.

            Somente pelo grande amor que cultivava ao pobre garoto sujeitara-se a tamanho pesadelo, pois suas forças já não suportariam tanto. Era o peso da idade. Causava dó vê-lo manejar a pá e acionar os tijolos, eis que lhe faltava o vigor dos músculos e a concatenização das ações, de sorte que nem sempre o material chegava ao destino; caía, quebrava e isso era prejuízo. E os pedreiros a gritar: argamassa... argamassa....tijolos...vamos logo....Ganhavam por produção. Praguejavam, zombavam dele e o fiscal o ameaçava de “pô-lo no olha da rua”. Muitas vezes a vontade de revidar os insultos vinha-lhe à mente, mas nunca poderia fazê-lo em face do amor que nutria pelo filho de sua filha, seu próprio sangue.

            Resolvera não mais retornar à obra. Recebera um recado do feitor que não procurasse receber o salário dos dias trabalhados, por isso que os tijolos quebrados, se compensados, nada restaria em seu favor. Estava a quatro dias do natal, seu netinho o abraçava e implorava por um presente, pois queria ver o presépio do nascimento do Cristo. Deu-lhe um abraço e garantiu que o faria na graça de Deus!

            Recolheu-se a seus aposentos e rezara baixinho: “Meu Senhor e meu Deus, necessito de forças e de toda humildade para que me reapresente na obra e possa receber pelo menos o suficiente para adquirir a lembrancinha de meu netinho que quer uma bicicleta para ir ver vosso presépio na pracinha da Igreja. Dá-me isso e ficarei satisfeito”!

            Um novo dia amanhecera! O velhinho tomara sua pobre alimentação no café, mas se sentia mais disposto, sem importar com algumas agressões verbais que poderia sofrer, reapresentara-se. A necessidade era tanta que o readmitiram. Entrara logo na mesma tarefa de erguer os tijolos. Fazia um esforço sobre-humano, mas tudo ia dando certo. Parece que conseguiria sair-se bem da tarefa no primeiro dia de retorno.

            O sol, no dia seguinte, era causticante e aos poucos ia minando as forças do pobre ancião, que suava abundantemente, mas a cobrança não parava: “depressa, depressa, tijolos, tijolos, vamos pessoal preguiçoso, vamos terminar a obra...”. Então num supremo esforço, fora do comum mesmo, arremessara aquilo que poderia ser seu último ato. Sua contração muscular afinal vencera o obstáculo. Suas veias à mostra pareciam querer explodir. Os tijolos chegaram, porém ele caíra de costas ao solo, desacordado. Depois de várias tentativas de reanimá-lo, massagens e respiração artificial, a notícia fatal... Estava morto!

 

Nota: Inspirado nas lições de Crestomatia, de Radagásio Taborda.

Até a próxima.

ansilgus
Enviado por ansilgus em 07/12/2009
Reeditado em 07/12/2009
Código do texto: T1965010
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