O que você fez na vida passada?
Dessa eu ainda não sabia, quando escrevi “Os e-mails indesejáveis”* , ou teria marcado lá, em letras garrafais: não me interessa o que fiz na vida passada.
Acreditem, agora circula pela internet um e-mail que, desde o título, promete desvendar a sua vida passada, tim-tim por tim-tim, tenha feito você o que for, ou deixado de fazer. Primeiro que eu não acredito nessa capacidade, e mesmo que isso fosse possível eu ainda me indagaria: para que saber? Teria esse conhecimento o poder de interferir na atual maneira de ser? Até que ponto? E mais, existe vida passada? Nesse ponto, é claro que a discussão ganha outra vertente. Religiosa? Existencialista? Não sei. Seja como for, eu tenho aqui com os meus botões que em nós interfere muito mais o meio em que se vive desde o nascimento. Tudo se molda ao meio. Eita, que agora a coisa ficou foi filosófica. Não era minha intenção. Por outro lado, antes com filosofia do que com charlatanismo.
Mas fantasiemos. Então eu era - só pra ser bem diferente – a bruxa malvada. Tinha uma biblioteca repleta de receitas de feitiçarias. De madrugada eu me punha a voar por aí, procurando asas de morcego, pêlos de animais, poções raras, talvez alguns fios de cabelos surrupiados enquanto alguém dormia – olha lá que seriam os seus cabelos!
Não, não, eu era uma camponesa. Morava num lugar lindíssimo, rodeada de flores, lagos transparentes, ventos mornos pela manhã, frescos no meio da tarde, convidativos ao entardecer. Em todas as situações lá eu estaria, saltitante, brilhando tanto quanto o azulado dos dias, de tanta felicidade.
Isso me alerta para uma outra situação que circula na internet: “O brasão de sua família”. Noooosa! Família que tem brasão deve ser importante...! Não sei, mas somente hoje eu já deletei uns dez desses e-mails. Vírus ou teimosia, de qualquer jeito a invasão é uma praga. Imagine digitar o seu sobrenome. Pronto, num piscar de olhos lá estará, com toda pompa e circunstância, o logotipo, digo, o brasão da sua família, mesmo que nenhum membro dela jamais tenha sonhado com isso. Mas alguém, sabe-se lá de onde ou porquê, pensou no assunto e isso é o que basta, tanto pra satisfazer alguns egos esvaziados, quanto para lotar a caixa... de e-mails. Pensar que essas e outras ainda são coisas da vida presente, isso sim é que enche a paciência! Dá até vontade de me transportar para essa tal de vida passada.
- Para qual?
- ... Mais essa... Qualquer uma, mas bem passada!
* Crônica do livro "A pontinha das páginas" (2007)