AS LARANJAS DO MEU PAI.

Desde que me entendo por gente, convivo com um costume do meu pai que nunca entendi, na verdade nunca o vi como um costume e sim como uma falha na sua educação. Meu pai tem o hábito de chupar laranjas, muitas delas por sinal, e não contente em saboreá-las, delicia-se também ao descascar as mesmas em uma única casca, criando uma espécie de cascata em espiral, e contenta-se em pendurá-las em qualquer lugar, seja na janela, na grade da porta, no encosto de cadeira...O lugar não importa, mas tem que ser visível!

Foram 22 anos, muitas reclamações por parte da minha mãe e algumas críticas de minha parte; enfim chegou o dia em que ele falou sobre as cascas de laranja. Contou que na infância que passou em uma pequena propriedade rural no interior do Rio de Janeiro, costumava entre um trabalho e outro sentar-se com o irmão mais novo, Clóvis e um primo e juntos saboreavam as laranjas. Estabeleciam uma espécie de competição de quem chupou mais laranja, e para respaldar a disputa, guardavam as cascas e as penduravam nas cercas de arame farpado, troncos de árvores, e a assim as contabilizavam.

Contou isso com o sorriso maroto que conserva desses tempos, e o olhar pequeno, marejado denunciando saudades. Ele disse isso, não com palavras, não precisou. Naquelas cascas de laranja, estão presentes recordações de uma vida boa, que está longe de ter sido uma “boa vida”.Trabalhou muito o meu pai, e o faz até hoje, uma infância difícil, sacrificada, mas sem perder a beleza, a ternura. É dessa beleza que ele tem saudade. As cascas de laranja são uma partícula da memória do meu pai, do processo de construção da identidade dele quanto sujeito, e como foi rico pra mim aprender isso...E eu que me disponho a ouvir as memórias de tanta gente que não conheço, de idosos, não poderia deixar passar sem registrar as memórias desse homem que me deu como herança genética o prazer pela escrita .As cascas de laranja, são um modo dele dizer secretamente que sente falta,é um grito silencioso,uma maneira que ele achou de dizer que as vezes essa falta castiga. Ele que não sabe abraçar de corpo todo,que não sabe dizer eu te amo, mas sabe sentir, saber viver, sabe guardar, e faz isso com uma sutileza absurda. E eu prometo nunca mais implicar com as suas cascas de laranja. Pode pendurá-las aonde quiser meu pai.

Laila Ferreira
Enviado por Laila Ferreira em 05/12/2009
Código do texto: T1962549
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