O MEDO DELA

Nunca teve os medos comuns da gente toda, medo de altura, medo de insetos, cobras, pessoas...

Não tinha medos concretos.

Uma vez teve medo de enlouquecer. Mas o medo não se justificava... permanecia lúcida e isso sim deveria ser amedrontador.

Tinha um tanto de medo em si, um tanto tão intenso, tão denso, tão grande que poderia ser palpado, por isso ela cria que conseguiria quantificá-lo se o tocasse, poderia encontrar medição para ele, mas não queria tocar-lhe que havia tomado medo do medo que tinha de sentir.

Por isso estava quase sempre só, mesmo que também tivesse medo de ser só, ou de só ser... sim, porque existir não é uma atividade mera pra quem sente que tem uma montanha russa dentro de si, e não importa em que ponto do percurso estivesse a intensidade do sentir era sempre pavorosa, afinal ela não estava na cabine e sem controle se via a subir e descer com maior ou menor velocidade, ora suspensa ora de cabeça para baixo... sempre clamando pra pousar.

Dia desses aconteceu de ela se fartar de tudo e quis chorar. Quis ter coragem e se preparou para enfrentar seu maior medo, sentir. Cumpriu todas as obrigações de mais um dia de trabalho e vida adulta. Chegou em casa, desligou o celular e desligou-se para o que estava além de si. Tomou um bom banho, serviu-se de uma dose de Rum, sentiu a bebida rasgar sua garganta e pensou que assim conseguiria abrir fissura suficiente para que passasse o choro preso de tantos anos, todos os lamentos, todos os sentimentos e assim superaria o medo; bebeu outra e outra dose e a queimação no estomago lhe aborreceu apontando para o fracasso e o choro não quis se mostrar, sentia-se patética por tentar ir ao encontro do que todos fogem e quis brigar consigo mesma. O medo não pode ser provocado, o sentir tampouco, eles acontece, como o que acontece acontece quando tem de acontecer. Ouviu um pouco de Billie Holliday e se fartou da segurança de seu espaço, resolveu sair.

Passou em frente a um Café, tocavam Blues lá dentro, sentiu-se atraída e entrou. Buscou uma mesa agradável e se assentou, ficou ouvindo o baixo se insinuar para o sax, o envolvendo, tentando seduzi-lo, enquanto apaixonados mesmos ficavam os que absorviam o som. Tanto sentir a cercava, mas nada lhe tocava... até que um rapaz lhe tocou, e lhe perguntou se desejava alguma coisa, ao que ela suspirou aliviada e disse que sim, solicitando o cardápio.

Outras notas, outras melodias e algum tempo depois, quando todos já pareciam ter sido tocados por algo ou alguém no lugar, finalmente ela recebe um toque, era o celular um colega de trabalho solicitando informações sobre o sistema operacional da empresa.

Olhou a volta e percebeu que todos estavam aparentemente felizes e enebriados por uma alegria que pairava o ar, e a fumaça dessa alegria era tão densa que as vezes ela simplesmente prendia a respiração com pensamentos pessimistas e assim não se deixar contagiar, era preciso manter o controle, mas então recordou de que para perder um pouco de controle foi que decidiu sair e finalmente alguém lhe tocou, dessa vez foi um homem que lhe perguntou se havia alguém ao seu lado e se poderia se sentar com ela. Ela cogitou por alguns segundos, afinal não era um lado qualquer, não apenas um lado, um assento... não! Era ali, no mesmo espaço, na mesma mesa e qualquer um diria que estavam juntos, olhou bem para ele afim de descobrir se ele era o tipo de homem com o qual ela poderia estar junto, e ele definitivamente era! O que ela fez? Ela temeu, então disse que não e que estava aguardando alguém, se desculpando não à ele, mas a si mesma pela covardia.

Pediu apavorada a conta e finalmente, de um modo definitivo sentiu o maior toque de sua vida até aquele dia, ela se tocou. Se tocou de que no fim do mês, pra quem é proletária, é melhor não ir ao Café da moda.

Ingrid Fernandes
Enviado por Ingrid Fernandes em 04/12/2009
Código do texto: T1960512
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