O HOMEM QUE FAZIA SOPA DE FOLHAS
Ele era só um homem, nem de bem, nem de mal, nem de coisa nenhuma que o distinguisse dos demais. Na verdade ele não passava de um exemplar de humano sem qualquer emblema, rótulo, botton, ou o que quer que o fizesse alguém a ser considerado pelos seus supostos semelhantes. Comia a sua ração diária, bebia sua pinga à tardinha, até fazia alguma oração, mas eram palavras suas, nada decorado ou copiado ou trazido como herança de família. Tinha somente um par de sapatos que reservava para ocasiões que na verdade acabavam por não acontecer. Então os tais sapatos ficavam mesmo como um modo de ele se ver em alguma outra situação, convivendo com algum grupo de pessoas. E tinha lá seus guardados. Sua história era comum. Tivera sua casa e alguma terra, plantara com seus filhos e mais adiante, estes, não tendo como conseguir o sustento no campo, terminaram indo engrossar o contingente de povo em favelas à beira de uma grande cidade. Agora, já sem sua terra vendida a preço de banana na hora de grande necessidade, estava morando em uma casa abandonada, comendo o que tivesse, fazendo uns bicos na cidadezinha. Certo dia, não tendo nada pra comer, foi visto fazendo uma sopa com folhas e algum vegetal colhido por ali mesmo. Os meninos viram e ficaram abismados dizendo que o tio devia estar louco pra comer sopa de folha. Ele tinha um cachorro que não se desgrudava nunca. As pessoas acostumaram-se a ver aquele estranho ser por ali, mas como ele não fazia mal a ninguém, sua presença era quase invisível. Certo dia, tendo bebido demais, dormiu com a vela acesa. Foi o que se supôs depois, quando a casa ardia em chamas e nada mais se podia fazer. Era um homem, nem de bem, nem de mal, nem de coisa nenhuma. Existia ali na paisagem sem nome, sem palavras e ninguém nunca soube quem era e como viera parar ali.
Começamos a existir para os outros quando nos tornamos objeto de comparação ou referência. Quando nos tornamos um competidor. Quando nossa presença pode dificultar os passos de alguém. Quando a nossa palavra denuncia. Quando somos farejados como um perigo qualquer aos propósitos alheios. Quando possuirmos ou sermos algo que provoque inveja. E se for preciso um bode expiatório é sempre providencial haver alguém cuja vida não tenha o tipo de valor que é considerado pela maioria.
Tudo isso fala de egoísmo, ambição, orgulho e despeito. Esta é a nossa verdade social.