A árvore da praça
No meio da praça da cidade grande, a grande árvore espreita a vida passando na avenida, na calçada, nas janelas entreabertas dos edificios. Ela vê sarjeta e conforto, carros apressados que passam sem parar e cochilos cobertos com jornais nas noites frias dos frios bancos da praça. Ela escuta risos e lágrimas, gritos nervosos e pedidos educados, conversas de reencontros e conversas infantis.
A grande árvore espreita, silenciosa. Beijos e assaltos, corações e armas que disparam na velha praça através da madrugada. Vassouras que passam bem cedinho limpando a rua poeirenta, caminhões de lixo barulhentos, carrinhos de bebê, cadeiras de roda, rodinhas de malas, valetas, valizes, pastas, bolsas. Saltos apressados que tropeçam nos buracos da calçada, sapatos brilhantes e ágeis engraxates.
A grande árvore espreita, reflexiva. Luzes de postes, de janelas e de almas lavadas pela chuva repentina. Almas escuras que escurecem o dia ensolarado. Crianças arrastadas pelas mãos dos pais, olhando o céu cinzento de poluição. Crianças que pedem, que pegam sem pedir, crianças que se drogam, crianças que brincam. Velhos com jornais, velhos que se encontram na praça repletos de recordações, velhos hábitos esquecidos, velhos golpes. Semáforos. Faixas de pedestres. Pedestres fora da faixa, carros sobre ela, carros que se chocam, olhos chocados, mortes.
A grande árvore apenas espreita, amiga do tempo, cúmplice das histórias não contadas pela História. Passa tão despercebida quanto a vida que passa na praça, na avenida, nas janelas entreabertas dos edifícios. Tão despercebida quanto o tempo, marcada por ele. Corações com flechas, anúncios de jogo do bicho, árvore de uma floresta urbana, cinzenta, poeirenta, coberta de limo.
A grande árvore espreita, seu lugar cativo no meio do concreto da calçada. E a vida segue.